Advogado é ‘encarcerado’ durante audiências sobre mortes de líderes do PCC
Por Eduardo Velozo Fuccia
Um advogado ficou encarcerado na mesma cela do cliente para participar de três audiências virtuais. A insólita situação aconteceu na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná, no mês passado, devido a supostos problemas de conexão, que impediram a realização dos atos processuais em uma sala da unidade prisional reservada para esta finalidade.
Apontado como um dos maiores narcotraficantes internacionais do Brasil, o réu Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, é acusado de ser o mentor da execução de dois líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), no dia 15 de fevereiro de 2018. O crime ocorreu em uma reserva indígena de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza (CE), e vitimou Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca.
Questionado sobre a falta de isonomia no tratamento dado às partes, o advogado Eduardo Dias Durante disse que participaram da teleaudiência cinco promotores, “todos em ambiente domiciliar”. A ação penal que apura os homicídios de Gegê do Mangue e Paca é presidida por um colegiado de três juízes de Aquiraz. Dois deles estavam em casa e um terceiro em um escritório, que pode ser da própria moradia.
“Além da sala destinada às audiências virtuais, há outras várias na penitenciária. Elas são de diretores, da enfermaria e de setores administrativos. Poderiam ter sido usadas para o ato processual. Porém, optaram pelo xadrez. É para mexer com o psicológico do acusado e do seu advogado, mas isso não influiu no foco da minha atuação para provar a inocência do meu cliente”, disse Durante.
Fuminho e os demais nove réus da ação ainda não foram interrogados. Eles acompanham com os respectivos advogados as videoconferências para a tomada dos depoimentos das testemunhas. Para tais atos, Durante esteve em Catanduvas nos dias 7, 8, 12 e 14 de abril. Apenas na segunda data, o defensor pôde usar a sala da penitenciária reservada para este fim. Nas demais, por causa de problemas técnicos, remanejaram o advogado para a cela.
No início da audiência do dia 13, Durante fez um breve desabafo quando começou a ser filmado com Fuminho. Aos juízes, o advogado quis mostrar o atendimento dispensado à defesa. Ele se levantou e um giro da webcam exibiu a cela, inclusive a sua grade trancada. Em seguida, destacou que se manifestava a título de “registro”, para demonstrar a sua postura de contribuir para o bom andamento da ação e não adotar medidas protelatórias.
Gegê do Mangue e Paca foram mortos porque teriam desviado dinheiro da facção. Fuminho nega ligação com o duplo homicídio. Após permanecer 21 anos foragido, foi capturado no dia 13 de abril de 2020, em Moçambique, na África. Segundo nota do Ministério da Justiça e Segurança Pública, ele é “considerado o maior fornecedor de cocaína ao PCC e responsável pelo envio de toneladas da droga para diversos países”.
Por ocasião de prisão de Fuminho, o promotor Lincoln Gakiya, resumiu quem ele é: “O maior fornecedor de drogas para o PCC e também amigo pessoal e sócio do Marcola (Marco Willians Herbas Camacho, líder máximo da facção). Fugiram juntos da Casa de Detenção de São Paulo, em 1999. Era o principal responsável por financiar e coordenar o plano de resgate do Marcola”.
‘Situação humilhante’
Presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), James Walker Júnior parabenizou Durante pela “garra e coragem” e repudiou a situação que lhe foi imposta. “A confirmação dessa informação impõe, não somente à direção do presídio, mas à autoridade judiciária preventa para o caso, que apure o ocorrido e responsabilize os responsáveis por essa indignidade ao advogado, no exercício da profissão”.
Ainda conforme Walker, “esvazia-se a paridade de armas, especialmente pela imposição de uma situação desconfortável e humilhante, ao nosso sentir, para tentar intimidar e reduzir as condições da defesa”. No entanto, ele enalteceu “a força e a resiliência contidas em cada advogada e advogado, mesmo diante de tamanha violação e adversidade”. Por fim, citou a máxima de Sobral Pinto: “a advocacia não é profissão de covardes”.