Empresário processa blogueiro por divulgar áudio racista e juíza nega indenização
Por Eduardo Velozo Fuccia
Desde que não haja abuso, a divulgação de dados em rede social é resguardada pela liberdade de expressão e informação, principalmente quando eles têm interesse público, como é o caso do preconceito racial, por exemplo. Essa conclusão é da juíza Júlia Inêz Costa Galceran, da 9ª Vara Cível de Santos (SP), ao negar procedência à ação indenizatória por dano moral promovida por um empresário contra um blogueiro.
“Os dados (áudio) veiculados dizem respeito a ofensas racistas proferidas por secretário municipal e conselheiro de clube de futebol, cuja divulgação se reveste de manifesto interesse público. É de interesse da sociedade debater o tema racismo e punir aqueles que cometem crimes de preconceito em razão de raça e cor”, frisou a magistrada.
Conforme a juíza, o blogueiro agiu amparado pela garantia constitucional de liberdade de expressão e informação, não havendo prova de abuso no exercício desse direito. “Não há conduta ilícita praticada pelo demandado, o que afasta a responsabilidade civil pelos danos suportados pelo autor”. O empresário foi condenado a pagar as custas e despesas processuais, além dos honorários do advogado da parte contrária, fixados em R$ 2 mil.
Grupo de mensagens
O empresário Adilson Durante Filho narrou na inicial que fazia parte de um grupo de WhatsApp composto por mais quatro pessoas de sua confiança. Embora não participasse da comunidade do aplicativo de mensagens, o requerido teve acesso a um áudio que o autor enviou aos amigos por meio dessa plataforma.
Em abril de 2019, em um programa que mantém em uma página no Facebook, o blogueiro divulgou o áudio, no qual o autor afirmou que todos os “pardos brasileiros” são “mau caráter”. O assunto viralizou nas redes sociais e ganhou repercussão nacional na mídia. À época, o autor era conselheiro do Santos Futebol Clube e secretário-adjunto de turismo do município de Santos.
Segundo Durante, houve violação do sigilo das suas comunicações e a divulgação do áudio objetivou afastá-lo do conselho do clube e do cargo público, o que de fato ocorreu. Por sofrer ofensas públicas e ter a honra, saúde e finanças atingidas, pediu a condenação do réu a pagar indenização por danos morais em valor a ser arbitrado pelo juízo.
Sigilo da fonte
O requerido negou eventual motivação pessoal na divulgação do áudio, que chegou em suas mãos por meio de uma fonte, conforme declarou. Segundo ele, o seu programa aborda temas políticos e notícias diversas do cotidiano de forma séria e responsável. Nessa linha, considerou relevante informar à sociedade o comentário racista no grupo de WhatsApp devido à gravidade, repulsa social e ilicitude do seu teor.
O blogueiro sustentou que não se trata de divulgação pública de conversas privadas, mas de matéria jornalística, e invocou o direito constitucional ao sigilo da fonte para resguardá-lo. Também alegou que antes de noticiar a fala do então secretário-adjunto municipal de Turismo, entrou em contato com ele, mas sem obter retorno.
Mais reveses
Em outra ação, a Justiça examinou e rejeitou a alegação de violação do sigilo das comunicações. Em novembro de 2021, o juiz Walter Luiz Esteves de Azevedo, da 5ª Vara Criminal de Santos, condenou o empresário a um ano de reclusão, em regime aberto, pelo crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou provimento à apelação do réu e a decisão transitou em julgado.
“Bem ponderou o juiz de primeiro grau que conversas em grupos de Whatsapp não podem ser consideradas privadas, porquanto o grupo é integrado por vários interlocutores, passível de compartilhamento para inúmeras pessoas”, avaliou a juíza Júlia Galceran. Ela destacou que esse entendimento foi chancelado pelo TJ-SP.
Adilson Durante também respondeu a ação civil pública promovida pela Defensoria Pública de São Paulo, que pediu a sua condenação por danos morais. O juiz José Wilson Gonçalves, da 5ª Vara Cível de Santos, julgou a demanda procedente. Ele fixou a indenização em R$ 10 mil, a ser paga ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados para ações de combate ao racismo indicadas pela Fundação Palmares.
“O objeto da reportagem postada com o áudio diz respeito a fatos criminosos (com condenação criminal transitado em julgado e condenação em ação civil pública), com evidente interesse público na divulgação”, finalizou Júlia Galceran, ao reconhecer a licitude da atuação do blogueiro e indeferir o pleito do empresário.
Foto: Unsplash
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