Preso por tráfico de 405 kg de cocaína alega doença de filho, mas é condenado
Por Eduardo Velozo Fuccia
Suposta doença de filho e a necessidade de obtenção de recursos financeiros para custear o seu tratamento não é situação apta a isentar o réu de sanção. Com esse entendimento, o juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos (SP), afastou a tese defensiva de um filipino acusado de envolvimento com a introdução de 405 quilos de cocaína no navio do qual é tripulante e o condenou por tráfico internacional de droga. A pena foi fixada em oito anos, um mês e seis dias de reclusão, em regime inicial fechado.
Sob a alegação de que o tripulante agiu em “estado de necessidade”, revelador de “inexigibilidade de conduta diversa” em virtude de grave doença renal do seu filho menor de idade, a Defensoria Pública da União (DPU) requereu em alegações finais a absolvição. O pedido teve por base o artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal (existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena). Porém, o juiz federal rechaçou esse argumento e condenou o filipino.
“No que toca à alegação de insuficiência de recursos da família do acusado como causa supralegal de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, ou como causa de exclusão da ilicitude por estado de necessidade, especialmente em face da enfermidade renal que acomete seu filho, tenho que esta não pode ser acolhida, dada a existência de outros meios lícitos para o réu assegurar a manutenção da família e o tratamento”, decidiu o magistrado.
Segundo o juiz, para o estado de necessidade ser admitido como causa de exclusão da ilicitude, o motivo justificador da lesão deve estar suficientemente comprovado, o que não ocorreu. Desse modo, ainda que se admitisse a alegação da DPU, o réu não provou que a quantia obtida de forma ilícita com o narcotráfico internacional era essencial à aquisição de medicamentos imprescindíveis ao tratamento da doença do filho. “Ademais, tal enfermidade, por si só, não comprova o estado de extrema penúria alegado”.
Mérito
O julgador assinalou que as provas demonstram, sem dúvidas, de que o filipino teve efetiva participação no embarque dos 405 quilos de cocaína no navio Grande Amburgo, de bandeira italiana, bem como na ocultação da droga em dois caminhões de bombeiros que estavam a bordo para serem levados do Porto de Santos para a Argentina. Os indícios são os de que o entorpecente seria retirado dos veículos durante a navegação e escondido em outro local da embarcação, pois ele teria a Europa como destino.
Roberto Lemos também ficou convencido do protagonismo do réu no esquema, após analisar as conversas entre ele e um interlocutor identificado por “Top Great Power 2” (Grande Poder Superior) no WhatsApp. Os diálogos foram obtidos pela Polícia Federal a partir de perícia feita no celular do marítimo com autorização judicial. “As mensagens transcritas evidenciam que o acusado coordenava integralmente a logística a ser implementada por seus comparsas para embarque da droga”.
A PF não descobriu quem utilizou o codinome de Top Great Power 2 e nem identificou outros participantes do crime. O filipino negou ter inserido a droga nos veículos de bombeiros, atribuindo ao seu interlocutor no aplicativo de mensagens a responsabilidade por liderar essa operação. Ainda conforme o réu, ele só manteve contato com Top Great Power 2 pelo WhatsApp, sendo incapaz de informar o seu nome, bem como dos demais envolvidos na empreitada criminosa.
O Ministério Público Federal (MPF) também requereu a condenação do réu pelo delito de associação para o tráfico, bem como pleiteou, para o crime de tráfico de drogas, a aplicação da causa de aumento de pena prevista no inciso III, do artigo 40, da Lei 11.343/2006 (infração cometida em local de trabalho coletivo). No entanto, esses dois pedidos foram julgados improcedentes pelo juiz, motivando o procurador da República Thiago Lacerda Nobre a apelar ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
“Verifico não haver nos autos elementos de prova suficientes para firmar juízo de convicção acerca da estabilidade e permanência na união de Manolito Abila Pacarat com duas ou mais pessoas, para a prática permanente, reiterada, de tráfico de drogas”, fundamentou Roberto Lemos. “O próprio magistrado aponta, em diversos trechos da sentença, o conhecimento de Manolito acerca do funcionamento da organização criminosa da qual seria engrenagem fundamental”, rebateu Nobre em sua apelação.
Quanto à causa de aumento de pena pleiteada pela acusação, o juiz ponderou que ela é “inaplicável” por já estar compreendida na majorante relativa à internacionalidade do crime. “Para a efetiva remessa (de droga) ao exterior, salvo situações raras e específicas, é necessário que a ação seja desenvolvida em local de trabalho coletivo, como portos, aeroportos ou rodoviárias”. A sentença é do dia 7 de fevereiro e a DPU ainda está no prazo para recorrer.
Sacola içada
O filipino foi preso a bordo no último dia 11 de setembro de 2023. O Grande Amburgo estava atracado no terminal da Ecoporto, no cais do Saboó, e câmeras da empresa registraram o içamento de uma bolsa de náilon pela popa, na lateral da embarcação voltada para o mar. A PF foi avisada e identificou o réu como quem pegou a mochila. Questionado sobre o que recebera, o filipino informou que se tratava de cinco garrafas de uísque, pois é proibido à tripulação ingressar com bebida alcoólica no navio.
De fato, havia garrafas de uísque na sacola içada, mas nela também foram colocados US$ 26 mil (R$ 128,7, no câmbio atual). O dinheiro já estava com o filipino, que começou a cair em contradições até admitir tê-lo recebido como pagamento pela ocultação de cocaína no navio. Por fim, o réu levou os policiais federais ao deck 2 do cargueiro, onde havia diversos veículos, entre os quais os dois caminhões de bombeiros usados para acondicionar os 405 quilos de cocaína.
Curta https://www.facebook.com/portalvadenews e saiba de novos conteúdos