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19/07/2023

Juiz nega indenização a artista plástico após cessão de estátua ao Museu Pelé

Por Eduardo Velozo Fuccia

Ceder algo gratuitamente e depois cobrar pela utilização daquilo que foi espontaneamente entregue é uma conduta contraditória e não comporta posteriores pedidos pelo suposto uso indevido do bem. Com essa fundamentação, o juiz Fabio Sznifer, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Santos, negou requerimento de um artista plástico que emprestou uma estátua de sua autoria à Prefeitura de Santos para ser exposta no Museu Pelé. Ele pleiteou ser ressarcido em R$ 100 mil por dano material e ainda receber indenização de R$ 80 mil por dano moral.

“Ressalto que a cessão gratuita confessada pela parte autora, com posterior intenção de cobrar pela cessão da obra, viola a boa-fé objetiva, na conduta parcelar venire contra factum proprium, não havendo espaço à aceitação da tese autoral nesse ponto”, destacou o julgador. O brocardo latino diz que “ninguém pode comportar-se contra seus próprios atos”. Sznifer destacou que não foi estipulado pelo autor um limite de tempo e espaço para a utilização da estátua do Rei Pelé e, “diante da cessão operada, a gratuidade e o uso eram presumidos”.

O artista plástico também alegou violação ao seu direito autoral, previsto na Lei 9.610/1998, porque na sua obra exposta no Museu Pelé não houve a indicação de quem a criou. Outra afronta à legislação especial, conforme o requerente, diz respeito à suposta modificação que a estátua teria sofrido, mediante a colocação de uma máscara de proteção facial no rosto da personalidade protagonizada na escultura de 1,73 metro de altura e produzida com chapas laminadas de alumínio.

O juiz não vislumbrou ofensas ao direito autoral do demandante. “O que ocorreu foi a mera colocação de máscara na obra (sem desnaturá-la) em alusão ao incentivo à utilização deste acessório pela sociedade local em razão da pandemia da Covid-19 que assolou o mundo. A ideia assim caminhou, ao olhar atento, na direção de aproveitar a exposição da obra para conscientizar a população sobre hábitos de proteção à vida e à saúde da população em geral, diante de grave situação de saúde pública, contemporânea à época, sem qualquer alteração da essência da obra”.

Sobre a omissão do museu em indicar na estátua do Rei Pelé quem é o seu autor, Sznifer avaliou que ela, por si só, não caracteriza violação a direitos autorais, “especialmente porque no presente caso a utilização foi devidamente autorizada, diante da cessão realizada, na qual a parte autora transferiu à requerida o direito de utilização da obra”. Além disso, o artista não comprovou ter feito à Prefeitura qualquer exigência do uso de seu nome, pseudônimo ou sinal convencional.

Conforme a inicial, em agosto de 2012, o autor cedeu a estátua do Rei Pelé à Secretaria de Turismo de Santos para uma “temporada curta de exposição”. Quando a obra foi levada ao Museu Pelé, o requerente ofereceu a sua compra ou locação, mas o município teria recusado as duas hipóteses sob a justificativa de não possuir verba. Mesmo assim, de acordo com o artista, a escultura continuou exposta sem qualquer contrapartida financeira. A Prefeitura negou ter desrespeitado os direitos do requerente, afirmando que nunca se opôs à retirada da obra e nem se beneficiou da posse dela.

A ação só foi ajuizada em abril de 2022, sendo a Prefeitura expressamente interpelada pelo artista apenas no mês anterior. Não houve a demonstração de que, antes, a exposição da estátua fora condicionada a uma contraprestação pela ré. “É incontroverso que o autor, conforme confessado, cedeu a obra para uso da municipalidade mediante contrato verbal. A cessão, pois, dos direitos patrimoniais, no caso, é inequívoca. De outro lado, o autor não comprova que a estátua foi cedida para exposição por tempo determinado, e para exposição certa”, observou o juiz.

Além disso, o artista não comprovou que a municipalidade se recusou a devolver a estátua. Ao contrário, ele admitiu que um representante da Prefeitura, em reposta à sua notificação, informou por telefone que a estátua não seria mais exposta no Museu Pelé, estando liberada para ser retirada. Contudo, o autor confessou expressamente nos autos que não foi buscar a obra.

Diante desse cenário, a ação foi julgada improcedente em relação aos danos materiais e morais alegados. “As indenizações pretendidas não são cabíveis, na medida em que, não tendo havido conduta ilícita da ré, estão ausentes os pressupostos da responsabilidade civil. Vale recordar que a norma civil é clara ao estabelecer o dever de indenizar àquele que cometer ato ilícito”, concluiu o julgador.

Em razão do atual interesse manifesto do autor de proibir a utilização da estátua, colocando fim à cessão anteriormente realizada, Sznifer condenou a Prefeitura a se abster de realizar a exposição da obra. Além disso, havendo interesse do autor na retomada da escultura do Rei Pelé, deverá a requerida promover a sua devolução, cabendo ao requerente arcar com os custos para buscá-la.

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