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14/04/2020

Mero risco de contágio de covid-19 não justifica prisão domiciliar, decide juiz

Por Eduardo Velozo Fuccia

Condenado a 24 anos, dois meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, por dois crimes de tráfico de drogas, um de associação para o tráfico e outro de posse ilegal de munições de uso restrito, um homem teve negado pela Justiça pedido de prisão domiciliar formulado pela sua defesa com base na pandemia do novo coronavírus.

“A mera expectativa de risco de contágio de covid-19 não se mostra como justificativa apta ao deferimento do pedido”, ressalvou o juiz Alexandre Torres de Aguiar, da 1ª Vara Criminal de São Vicente (SP). O magistrado acrescentou inexistir indicativos de que o presídio “cause mais risco do que o ambiente em que a sociedade está inserida”.

Aguiar condenou Rafael Vieira Carneiro, o Rafinha, no dia 7 de dezembro de 2018, negando-lhe a possibilidade de recorrer solto. Segundo o Ministério Público (MP), em três situações, entre outubro de 2016 e setembro de 2017, foram apreendidos 21 quilos de maconha, 154 gramas de cocaína e sete munições de calibre 45 que seriam do réu.

A defesa queria a absolvição por insuficiência de prova. Logo após a sentença, Rafinha constituiu novo advogado para recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e também para se defender de apelação interposta pelo MP, que pleiteia a elevação da pena. Os recursos ainda não foram julgados.

Superlotação e covid-19

Além de recorrer ao TJ-SP, o novo advogado pediu no último dia 31, ao juízo de primeiro grau, a prisão domiciliar do cliente ou a aplicação de outras medidas cautelares diversas do encarceramento. Ele justificou que Rafinha está na Penitenciária de Valparaíso, superlotada com 1.862 detentos. A capacidade é para 873 sentenciados.

A defesa acrescentou que os crimes pelos quais o réu foi condenado “não possuem as elementares da violência ou grave ameaça à pessoa”. Elementares são os componentes essenciais à definição do delito, sem os quais a infração penal deixa de existir ou se torna outra.

O advogado invocou a aplicação da Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela orienta os tribunais e magistrados a adotarem medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no sistema prisional para “a proteção da vida e da saúde das pessoas privadas de liberdade”, entre outras finalidades.

“O peticionário (réu) está inserido no rol de pessoas vulneráveis em razão de estar privado da liberdade e da possibilidade de contrair a doença que está causando estado de emergência de saúde pública em âmbito nacional e internacional”, enfatizou a defesa. Por fim, advogado disse que o Estado deve zelar pela saúde da população carcerária.

Argumentos rejeitados

O promotor Marcelo Perez Locatelli se manifestou contra a prisão domiciliar, porque a Recomendação nº 62 do CNJ não vincula o entendimento dos magistrados. Além disso, o réu não é idoso e não demonstrou ter doença preexistente que o torne mais vulnerável às consequências do coronavírus, tais como enfermidades respiratórias graves ou aids.

“No Brasil, lamentavelmente, se todos os presos que estiverem em unidades prisionais em que haja ocupação superior à capacidade forem libertados, praticamente não haverá mais presos”, ponderou o juiz. Aguiar também fez um contraponto quanto à ausência de violência ou grave ameaça à pessoa nas elementares do crime de tráfico.

Segundo o juiz, o tráfico tem uma “violência sistêmica” implícita, que se revela por disputas territoriais entre traficantes rivais, pela submissão dos moradores às regras impostas pelo crime organizado e pelas punições por dívidas não pagas. Além disso, desencadeia outros delitos, porque os usuários precisam de dinheiro para sustentar o vício.

Ao indeferir o pedido de prisão domiciliar, Aguiar reforçou a necessidade de se manter a preventiva do acusado para evitar a reiteração de delitos e a “intranquilidade no meio social, tudo de forma a garantir a ordem pública”. A ação penal tem mais dois réus, também condenados. Reincidente específico, Rafinha recebeu a maior pena.

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