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17/02/2023

Por omissão, SP deve indenizar família de mulher morta pelo seu ex, policial militar

Por Eduardo Velozo Fuccia

A Fazenda Pública do Estado de São Paulo foi condenada a indenizar em R$ 550 mil, por dano moral, os dois filhos, a mãe, o irmão e o padrasto de uma mulher morta a tiros pelo ex-companheiro, soldado da Polícia Militar, sob o fundamento de que a PM foi “omissa” ao saber do comportamento agressivo do acusado. O homicídio ocorreu em 11 de maio de 2020, em Guarujá, e o réu foi condenado a 14 anos, quatro meses e 24 dias de reclusão.

“É certo que o crime foi cometido fora do horário de expediente, mas com arma de fogo pertencente à corporação e cedida ao agressor para o exercício de suas funções”, destacou a juíza Thais Caroline Brecht Esteves, da Vara da Fazenda Pública de Guarujá, prolatora da sentença da ação cível de indenização. Segundo ela, “a omissão estatal é patente e, por estas razões, sua responsabilização civil pelo evento é medida de rigor que se impõe”.

O advogado Airton Sinto, representante dos requerentes, expôs na inicial que o policial militar já havia apresentado comportamento agressivo com a mulher, motivando-a a registrar boletim de ocorrência e a se dirigir à Corregedoria da PM. Porém, nesse órgão, a mulher foi desencorajada a formalizar a denúncia para a adoção das medidas administrativas cabíveis.

O advogado Airton Sinto representou os dois filhos, a mãe, o irmão e o padrasto da vítima

Uma testemunha indicada por Sinto declarou em juízo que foi vizinha do casal. Segundo ela, a vítima lhe disse que foi ao batalhão do companheiro “uma, duas ou três vezes”, quando ainda viviam juntos, para denunciá-lo à Corregedoria. Porém, a companheira do soldado foi orientada a “deixar pra lá”, pois a situação não seria resolvida e ainda haveria o risco de o policial “perder a farda” e de ela ficar “sem pensão”.

A Fazenda do Estado contestou o pedido indenizatório. Alegou que não poderia ser responsabilizada por omissão, porque o soldado (expulso da corporação após o crime) sempre se portou de maneira adequada e nunca demonstrou qualquer desvio psicológico. A defesa da requerida acrescentou inexistir elementos que permitissem prever o lamentável desfecho ocorrido.

No entanto, segundo a juíza, o argumento ouvido pela vítima na Corregedoria a desencorajou a procurar outros órgãos estatais, “seja por medo ou desilusão”. “Assim, é óbvio que não há registros pretéritos que desabonem o agressor perante a corporação, já que nas ocasiões em que as ameaças e agressões foram levadas ao conhecimento da corporação, nenhum registro se fez”, concluiu a julgadora.

Conforme a sentença, disponibilizada nos autos na última quarta-feira (15/2), a morte da vítima poderia ter sido evitada se a denúncia fosse efetivamente registrada pela Corregedoria e apurada. “A Polícia Militar foi regularmente avisada pela vítima, quase que num pedido de socorro, mas preferiu fechar os olhos para as denúncias e acreditar que tudo se resolveria sem a instauração de sindicância ou processo administrativo”.

Sobre o dano moral, a magistrada o considerou inequívoco diante da privação dos requerentes do convívio com a vítima. “Isso, por si só, configura abalo moral que supera, e muito, o status de mero aborrecimento cotidiano e gera dano extrapatrimonial que comporta indenização”. A vítima e o policial tiveram dois filhos – uma menina e um menino, com 6 e 7 anos de idade, respectivamente, por ocasião do homicídio.

Cada filho e a mãe da vítima serão indenizados em R$ 150 mil. A indenização ao irmão e ao padrasto será de R$ 50 mil para cada. Conforme a juíza, esses valores foram fixados com base em critérios de proporcionalidade e razoabilidade para desestimular a reiteração de práticas semelhantes por parte da PM, “cumprindo sua dúplice função reparatória e pedagógica, sem que, no entanto, importe em enriquecimento indevido”.

A indenização deve ser corrigida monetariamente a partir da sentença. Sobre ela ainda incidirão juros de mora a partir da data do evento danoso. A Fazenda arcará com as custas e despesas processuais, bem como com os honorários do advogado dos autores, arbitrados em 8% sobre o valor atualizado da condenação. Por disposição legal, a decisão será reexaminada em segundo grau, independentemente de recursos das partes.

Chegou atirando

O soldado Edgar de Oliveira Fonseca, de 35 anos, é acusado de matar a tiros Débora Raquel Silva, de 28. A mulher chegava à casa do atual namorado dela e foi surpreendida pelo policial, que se aproximou pilotando uma moto e atirando. Lotado no 6º BPM/I (Santos), 0 ex-companheiro portava uma pistola calibre .40 da corporação e fugiu, sendo preso em flagrante horas depois em sua residência. A vítima faleceu no próprio local.

Submetido a júri popular em 24 de março de 2022, Edgar foi condenado por homicídio qualificado pelo motivo torpe e emprego de recurso que impediu a defesa da vítima. Os jurados rejeitaram a qualificadora do feminicídio. O réu apelou e a 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, negou provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença.

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