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14/09/2022

Turma recursal declara inconstitucional porte de droga e absolve usuário

Por Eduardo Velozo Fuccia

A 1ª Turma Recursal Criminal de Santos declarou de ofício e incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) e absolveu um jovem detido com 16 gramas de maconha com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal).

“A criminalização da conduta de portar droga para uso próprio, além de violar a autonomia e a autodeterminação do indivíduo, decorrências lógicas da dignidade humana, equivaleria a criminalizar a própria vítima”, justificou o juiz Gustavo Henrichs Favero, relator da apelação.

Os magistrados Wilson Julio Zanluqui e Orlando Gonçalves de Castro Neto seguiram o relator. Nas 20 laudas de seu voto, Favero defendeu o seu entendimento quanto a atipicidade da posse e do porte de entorpecentes para consumo próprio, rechaçando argumentos de quem sustenta o contrário.

Segundo o relator, a conduta atribuída ao usuário carece de “tipicidade material”, porque, “ao contrário do que se difunde, o bem jurídico tutelado pelo artigo 28 da Lei 11.343/06 é a ‘integridade física’ e não a ‘incolumidade pública’, diante da ausência de transcendência da conduta”.

Favero citou os artigos 3º, inciso I, e 5º, inciso X, que declaram como direito fundamental a liberdade da vida privada, bem como a impossibilidade de penalização da autolesão sem efeitos a terceiros. “Daí a razão pela qual não se pune criminalmente qualquer outra forma de autolesão, sendo exemplo clássico o suicídio tentado”.

O autor do voto também afastou a alegação da corrente que defende a criminalização da conduta descrita no artigo 28, segundo a qual o consumidor de drogas financia o tráfico. “O usuário de drogas não tem qualquer controle sobre o comportamento do traficante”, destacou Favero.

Conforme o acórdão, punir o dependente ou consumidor eventual com a justificativa de combater o tráfico seria responsabilizá-lo pelo ato do verdadeiro culpado pela violação à saúde pública, no caso, o traficante. “Uma punição fundada na incapacidade do Estado de controlar o verdadeiro comportamento danoso”, frisou a decisão.

Discriminação

O uso da lei para “impor uma forma de pensamento” foi criticado pelo relator, porque a legislação não pune a autolesão ou o consumo de drogas, exceto se tais condutas atinjam ou possam atingir terceiros, como nos casos de mutilação para fraudar seguro ou de direção de veículo automotor sob efeito de álcool em concentração acima do permitido.

“O Estado só age para evitar que a conduta de uma pessoa interfira na vida de outra, garantindo o exercício harmônico das liberdades humanas. […] É arbitrária, portanto, a punição de alguém que apenas desejou ingerir algo, causando mal unicamente a si próprio”, concluiu Favero.

Com a ressalva de que não se trata de apologia ou sequer aprovação ao uso de drogas, o acórdão classificou de inadmissível a “marginalização” de pessoas em razão de hábitos condenados por “parte da população”. Mencionou ainda o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, que veda todas as formas de discriminação.

Por fim, segundo a decisão, por ser o Direito Penal a última ratio do controle social, destinado aos comportamentos mais graves, ele não pode ser usado para coibir comportamentos praticados na esfera íntima do indivíduo, sob pena de atentar contra a dignidade humana, a pluralidade, a intimidade e a isonomia previstas na Constituição.

Sem bagatela

No caso concreto, policiais civis surpreenderam um jovem de 28 anos com um pequeno tablete de maconha. A abordagem ocorreu em Guarujá, no dia 18 dezembro de 2019, e rapaz alegou que o entorpecente seria para o seu uso. O Ministério Público pediu a condenação pelo crime descrito no artigo 28 da Lei de Drogas.

O juiz Alexandre das Neves, do Juizado Especial Criminal de Guarujá, condenou o réu à pena de prestação de serviços à comunidade por três meses. Ele afastou a hipótese de delito de bagatela, sob o fundamente de que a pequena quantidade de maconha apenas serve para afastar o tráfico e não como excludente de ilicitude ou culpabilidade.

A sentença foi dada em 29 de novembro de 2021. A defesa apelou para pedir a absolvição e, subsidiariamente, a imposição de pena mais branda, como advertência. Ao declarar inconstitucional o artigo 28 e absolver o réu, a turma recursal ressalvou que a decisão se ateve ao aspecto jurídico, sem discutir a política de repressão às drogas adotada no País.

Foto: Arquivo/Agência Brasil

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