
TRF-3 aplica benesse a ‘mula’ e pena de tráfico internacional cai de 10 para 4 anos
Por Eduardo Velozo Fuccia
O fato de o transporte de drogas ter sido comandado e custeado por organização criminosa, real proprietária dos entorpecentes apreendidos, não significa por si só que o transportador seja um integrante efetivo do esquema. Para que se configure pertencimento ao grupo há de existir, pelo menos, vinculação com mínima estabilidade.
Essa ponderação foi feita pelo desembargador José Lunardelli, da 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), ao aplicar o redutor previsto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 na pena de um homem condenado por tráfico internacional de droga. A decisão acolheu pedido formulado pela defesa do réu em recurso de apelação.
“A mera contratação de alguém para auxílio eventual e remunerado à prática ilícita ocasional, contratação esta feita por um braço de organização criminosa, não indica, por si, pertencimento do contratado ou cooptado à organização criminosa contratante, ou, melhor dizendo, cooptante”, ressalvou Lunardelli.
A benesse legal é conhecida por tráfico privilegiado. Ela prevê a redução da pena, de um sexto a dois terços, se o agente, primário e de bons antecedentes, não integrar organização criminosa. Ao condenar o réu a dez anos, sete meses e 23 dias de reclusão, em regime inicial fechado, o juízo da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo a negou.
“Demonstrado nos autos que o réu integra organização criminosa. […] As denominadas ‘mulas’, pessoas arregimentadas por quadrilhas do tráfico de drogas para transportarem entorpecentes para outras regiões ou países, em troca de remuneração, são essenciais para o êxito da traficância transnacional e interestadual”, destacou a sentença.
Além do reconhecimento do tráfico privilegiado, o advogado Diego dos Anjos Elias Antonio pleiteou a redução da pena-base e a fixação de regime menos gravoso. Os pedidos foram acolhidos e o acórdão foi unânime para redimensionar a sanção para quatro anos, dez meses e dez dias de reclusão, em regime inicial semiaberto.
Ao diminuir a pena-base ao mínimo legal, Lunardelli observou faltar fundamentação idônea para elevá-la em razão da culpabilidade prevista no artigo 59 do Código Penal. Segundo ele, a culpabilidade é o juízo de reprovação social que ultrapassa os limites da norma penal, mas a conduta do réu foi normal para o delito de tráfico internacional.

Individualização
Segundo o relator, o redutor da Lei de Drogas permite ao juiz ajustar a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico, notadamente o internacional. “Não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as ‘mulas’, com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa”.
Após apontar a inexistência de dúvida quanto à primariedade e aos bons antecedentes do réu, Lunardelli frisou que o requisito legal para incidência do tráfico privilegiado não é o de “não ter participado de parcela de atividade relevante no desenvolvimento de organização criminosa, mas sim não integrar organização criminosa”.
Para acentuar essa distinção, o julgador expôs que alguém até pode ter sido “pontualmente útil” a uma organização criminosa. Porém, para que seja factual e juridicamente considerado seu integrante, é necessário comprovar outros elementos, “que denotem participação com vínculo mínimo de estabilidade e pertencimento”.
Recrutamento
O apelante é um peruano que foi preso em flagrante por policiais civis em um hotel na região central de São Paulo, no dia 4 de abril de 2024. Segundo os investigadores, ele portava uma sacola com 22 porções de cocaína pesando o total de 245,8 gramas. Ele teria ingressado no Brasil trazendo as cápsulas com a droga no estômago.
Na mesma data, os policiais haviam prendido um homem e quatro mulheres, todos de nacionalidade boliviana, em uma casa na Mooca, Zona Leste da Capital. No imóvel foram apreendidas 250 porções de cocaína totalizando 2,9 quilos. O grupo também teria ingressado no Brasil trazendo no estômago o entorpecente acondicionado em cápsulas.
De acordo com os investigadores, os bolivianos disseram que foram arregimentados em seu país pelo peruano para atuarem como mulas. Por meio dos acusados capturados no imóvel da Mooca, os policiais disseram que descobriram o hotel onde estava o suposto recrutador.
Em seu interrogatório judicial, o peruano disse que foi a primeira vez que veio ao Brasil, viajando de avião de Lima para São Paulo. Depois, seguiu de ônibus até Corumbá (MS) e retornou à capital paulista com a com cocaína no estômago. Disse que ganharia US$ 500 por quilo transportado, mas só conseguiu engolir as 22 cápsulas com a droga.
O recorrente afirmou não conhecer os bolivianos e ignorar porque eles o incriminaram, alegando ter aceitado atuar como mula por estar endividado. Conforme a sentença, não ficou comprovado o envolvimento do peruano com o aliciamento dos demais estrangeiros e com a droga encontrada na casa da Mooca.
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