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31/05/2018

Jogar tomates em ministro do STF não é crime por ser ‘liberdade de expressão’

Ricardo Rocchi (à direita) admitiu em depoimento à polícia a sua insatisfação com várias decisões de Gilmar Mendes, mas alegou que apenas quis protestar, sem intenção de lesioná-lo, porque utilizou tomates maduros ou cozidos

Por Eduardo Velozo Fuccia

Incentivar o arremesso de tomates como protesto ou até mesmo jogá-los com esse objetivo, embora possa ser uma conduta reprovável, passível de indenização na esfera cível, em virtude de eventual dano moral, é fato atípico, ou seja, não é crime. Sob esse fundamento, a juíza federal Renata Andrade Lotufo rejeitou denúncia contra Ricardo Rocchi, acusado de atirar tomates no ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e incentivar outras pessoas a fazer o mesmo.

“Verifico que a conduta do denunciado, ainda que possa ser tida como reprovável, está inserida no contexto de sua liberdade de expressão, sendo certo que agentes públicos (tais como este juízo) e, especialmente, pessoas em posições elevadas no espectro político e jurídico, estão sujeitas a um grau maior de crítica social”, justificou a juíza. Desse modo, por considerar a ação de Rocchi atípica, ela não vislumbrou justa causa para a ação penal e rejeitou a denúncia, com base no Artigo 395, III, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou Rocchi por incitar publicamente a prática de crime e pela prática de delito contra a honra contra funcionário público em razão das funções, porque nos dias 24 de dezembro de 2017 e 31 de janeiro de 2018 utilizou o seu perfil no Facebook para oferecer a quantia de R$ 300,00, a fim de que pessoas fizessem um “tomataço pacífico” contra Gilmar Mendes. Além disso, o acusado compareceu a eventos nos quais esteve o ministro para jogar tomates nele.

Rocchi admitiu na fase de inquérito policial a sua insatisfação com várias decisões de Mendes, mas alegou que apenas quis protestar, sem intenção de lesioná-lo, até porque utilizou tomates maduros ou cozidos. Sob o ponto de vista jurídico, Renata Lotufo observou que o denunciado estimulou o arremesso de tomates, que não são aptos a ofender a integridade física, tanto que na Espanha existe uma festa popular denominada Tomatina, na qual milhares de pessoas se reúnem para jogarem esses frutos entre si.

“Destaco, neste ponto, que a citação ao evento europeu dá-se tão somente para demonstrar a ausência de lesividade à integridade física no ato de atirar tomates”, completou a juíza, para afastar o delito de incitação ao crime, pela ausência de um delito concreto para ser incitado. Em relação a eventual crime contra a honra, a juíza frisou que o denunciado utilizou de “maneira genérica um adjetivo (ainda que pejorativo)”, devendo ser reconhecido o exercício da liberdade de expressão do acusado.

Conforme a juíza da 4ª Vara Federal em São Paulo, “rigorosamente 100% das decisões judiciais serão de alguma maneira criticadas, eis que, em todos os casos, haverá ao menos uma parte descontente, de modo que não é possível a um pretendente ao cargo de magistrado imaginar que a população (especialmente aquela sem formação jurídica) não fará uso, ainda que de maneira reprovável, de termos pejorativos e palavras de baixo calão tais como descrito na denúncia”.

Renata Lotufo salientou ser a liberdade de expressão direito fundamental de 1ª geração, “que possui inegável posição preferencial em relação aos demais direitos”, constando de tratados e declarações universais, das quais o Brasil é signatário, como, por exemplo, a Declaração dos Direitos do Homem, o Pacto de San Jose da Costa Rica e o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos. “Cabe, neste ponto, um aprendizado: Ideias ruins precisam ser ditas e ouvidas, a fim de que possam ser superadas com argumentos melhores”, concluiu.

 

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