
Júri despreza confissão de réu acusado pelo pai e o absolve de homicídio
Por Eduardo Velozo Fuccia
Submetido pela terceira vez a júri popular pelo mesmo homicídio qualificado, após ter inicialmente confessado o crime e ser acusado em plenário pelo próprio pai, um jovem de 28 anos negou o assassinato e os jurados o absolveram. No primeiro julgamento, ele havia sido inocentado, enquanto no segundo foi condenado a 15 anos de reclusão.
Na sustentação da tese de negativa de autoria, os advogados Mário Badures, Cinthia Souza, Nadyne Fernandes e Yuri Tomanik, que atuaram apenas no terceiro julgamento, explicaram aos jurados que a confissão do réu não poderia ser aceita isoladamente, sem a confirmação por outros elementos de prova.
Segundo os defensores, os artigos 197 a 200 do Código de Processo Penal (CPP) dispõem sobre o valor da confissão, que deve ser confrontada com as demais provas para verificar se entre elas existe compatibilidade ou concordância. A lei processual também possibilita que a admissão de um crime seja “divisível e retratável”.
O juiz Pedro Henrique do Nascimento Oliveira presidiu o mais recente júri na última terça-feira (18), no Fórum de Taubaté (SP). O Ministério Público (MP) pleiteou nos debates a condenação do acusado por homicídio qualificado pelo meio cruel e emprego de recurso tornou impossível a defesa da vítima, nos mesmos termos da pronúncia.
Para reforçar a tese de negativa de autoria em plenário, a defesa apontou mais de 50 “inconsistências” entre a confissão inicial do réu com o conjunto probatório. Uma delas é a de que o acusado, no momento do crime, estava com a namorada em outro local, fato confirmado por essa testemunha durante o julgamento.
Os advogados alegaram que o cliente apenas confessou o crime, na delegacia, porque foi “torturado” por policiais, que ainda ameaçaram prendê-lo junto com o pai. Depois, na instrução processual, ele voltou a admitir o homicídio. “Embora não houvesse mais tortura, o medo do réu de sofrer um mal injusto e grave continuava”, justificou Badures.
Além da namorada, também depôs na sessão o pai do réu. Em razão do parentesco, ele não foi submetido ao compromisso legal de falar a verdade que é imposto às testemunhas. O homem apontou o filho como autor do homicídio, mas os advogados derrubaram essa acusação ao exibirem aos jurados um áudio.
Enviado por um aplicativo de mensagem, o áudio é de um pedido de desculpa do pai ao filho por tê-lo acusado injustamente do assassinato. O MP se insurgiu com a apresentação dessa prova porque não foi feita perícia para confirmar se a voz é de fato da testemunha informante (aquela que não presta compromisso).
Porém, a defesa salientou que o áudio foi juntado aos autos há mais de um ano e o MP não o impugnou. Os advogados também frisaram que o ônus de requerer perícia para confirmar a voz é de quem colocou em dúvida a sua autenticidade, no caso, o órgão acusador, mas isso não ocorreu no momento processual devido.
Questionado em plenário sobre o áudio, o pai do réu negou que a voz fosse a sua. Durante a instrução, ele havia acusado o filho na condição de testemunha protegida. Posteriormente, ele teve a identidade descoberta pelo advogado que defendia o acusado naquela época e passou a ser ouvido como informante.


Apelação e revisão criminal
O homicídio não teve testemunhas oculares e aconteceu em um sítio, no dia 25 de setembro de 2016. Na decisão de pronúncia, o juízo entendeu haver indícios suficientes de autoria para o réu ser submetido a julgamento popular, porque ele teria ido à casa da vítima, um homem de 57 anos, e a atacado quando ela o atendeu na porta.
O MP narrou na denúncia que o acusado desferiu duas pauladas na cabeça da vítima, que caiu inconsciente. Em seguida, o réu a arrastou até a porteira da propriedade rural, onde a atingiu no abdômen com um facão. Durante as investigações, o nome do rapaz surgiu como potencial suspeito e ele, após ser preso, confessou o crime.
O primeiro júri ocorreu em fevereiro de 2019. Os jurados acolheram a tese de negativa de autoria e o absolveram. O MP recorreu e sustentou que a decisão do conselho de sentença foi manifestamente contrária às provas dos autos. A 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento à apelação e anulou o júri.
O réu não foi intimado para o novo julgamento por não ter sido encontrado em sua casa, conforme certificado nos autos. Por isso, o segundo júri ocorreu sem a sua presença em novembro de 2021. Os jurados acolheram o pedido do MP para condenar o acusado por homicídio qualificado. A pena foi fixada em 15 anos de reclusão.
Naquela ocasião, o advogado que atuava na defesa requereu a absolvição, mas não por negativa de autoria, tese do primeiro júri. Ele argumentou que o réu agiu em “legítima defesa putativa” (aquela que não é real, mas imaginária para o autor). Subsidiariamente, na hipótese de condenação, pleiteou o afastamento das duas qualificadoras.
Os atuais advogados ingressaram nos autos após a condenação. Devido à impossibilidade de interpor nova apelação sob o mesmo fundamento de decisão dos jurados manifestamente contrária às provas do processo, eles conseguiram que o TJ-SP anulasse o segundo júri pela via da revisão criminal. Alegaram “deficiência da defesa técnica”.
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