
TJ-SP considera lícita a divulgação de áudio racista vazado do WhatsApp
Por Eduardo Velozo Fuccia
O direito à privacidade das comunicações em grupos de WhatsApp não pode ter um alcance absoluto e, na hipótese de interesse público em informação relacionada a crime, como é o caso do racismo, deve ser completamente afastado.
A 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) adotou essa fundamentação ao negar por unanimidade provimento ao recurso de apelação interposto pelo empresário Adilson Durante Filho contra sentença da 9ª Vara Cível de Santos.
“A proteção constitucional da privacidade e do sigilo das comunicações não pode servir de escudo para acobertar práticas ilícitas, sobretudo aquelas de natureza discriminatória e tipificadas como crime pela legislação brasileira”, anotou o desembargador Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, relator da apelação.
Além disso, de acordo com o julgador, ao compartilhar declarações em um ambiente coletivo, ainda que restrito, o emissor assume o risco de que seu conteúdo possa circular além das fronteiras inicialmente pretendidas.
“Não se trata, evidentemente, de negar por completo a proteção à privacidade nessas circunstâncias, mas de reconhecer sua atenuação diante do caráter potencialmente difusível das comunicações digitais”, justificou Leme.
Assunto viralizou
Durante pleiteou indenização por dano moral pelo vazamento de um áudio seu compartilhado em um grupo do aplicativo de mensagens composto por apenas cinco membros de sua confiança, conforme destacou. A ação foi movida contra um blogueiro que não participa da pequena comunidade do WhatsApp.
Em abril de 2019, o blogueiro divulgou o áudio em um programa que mantém em uma página no Facebook. O empresário afirmou que todos os “pardos brasileiros” são “mau caráter”.
O assunto viralizou nas redes sociais e ganhou repercussão nacional na mídia. À época, Adilson Durante Filho era conselheiro do Santos Futebol Clube e secretário-adjunto de turismo do município de Santos.
A juíza Júlia Inêz Costa Galceran não vislumbrou o dano moral alegado e julgou a ação improcedente. “Os dados (áudio) veiculados dizem respeito a ofensas racistas proferidas por secretário municipal e conselheiro de clube de futebol, cuja divulgação se reveste de manifesto interesse público”.
A magistrada acrescentou ser de “interesse da sociedade debater o tema racismo e punir aqueles que cometem crimes de preconceito em razão de raça e cor”. Para ela, o blogueiro agiu amparado pela garantia constitucional de liberdade de expressão e informação.
Acórdão
O empresário sustentou no recurso que a divulgação não consentida de seu áudio acarretou danos à sua reputação, afastamento do cargo de conselheiro do Santos e perda da posição de secretário-adjunto, além de ataques, ofensas e ameaças de torcedores.
Em suas contrarrazões recursais, o blogueiro argumentou que recebeu o material “de lícita fonte sigilosa” e agiu legitimamente, sob a égide da liberdade de expressão e informação, ao divulgar conteúdo de interesse público sobre racismo. Também informou que o apelante foi processado por esse crime, sendo condenado com decisão definitiva.
Conforme o relator, não foram divulgadas meras opiniões controversas ou expressões de caráter íntimo, mas “manifestações reconhecidas judicialmente como criminosas”, que violam os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade.
Segundo Leme, a sociedade tem o direito de conhecer as manifestações racistas de quem ocupa cargo público ou função de relevância social, pois isso é necessário para a formação da opinião pública sobre a idoneidade moral dos ocupantes dessas posições.
Sobre como o recorrido obteve o áudio, o julgador frisou que não há elementos do eventual uso de método ilícito, como invasão de dispositivo ou interceptação não autorizada de comunicações. Desse modo, há de ser aplicada a proteção constitucional conferida à fonte jornalística, ainda que exercida por comunicador não profissional.
Os desembargadores Silvério da Silva e Theodureto Camargo seguiram o voto do relator. Conforme o colegiado, os danos alegados pelo apelante decorrem do conteúdo de suas próprias declarações e não da mera divulgação delas.
Exceto os honorários advocatícios a serem pagos pelo apelante, elevados de R$ 2 mil para R$ 3 mil, o acórdão manteve na íntegra a sentença. Na esfera criminal, Durante foi condenado a um ano de reclusão, em regime aberto, pelo delito de racismo
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