
TJ-SP reduz indenização a preso da ditadura por achar curto tempo de cárcere
Por Eduardo Velozo Fuccia
Um ex-preso político da época da ditadura militar teve reduzida pela metade a indenização a lhe ser paga pelo Estado por dano moral. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), considerando-se o período de encarceramento, foi elevada a quantia fixada pelo juiz André Luis Maciel Carneiro, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos.
Atualmente com 85 anos, o aposentado Aníbal Ortega Pereira da Silva ficou preso por cinco dias. A sentença fixou a indenização em R$ 100 mil. Porém, o desembargador Borelli Thomaz, da 13ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, votou para reduzi-la para R$ 50 mil, quantia que “atende aos postulados de proporcionalidade e razoabilidade”.
Relator das apelações interpostas pelas partes, Borelli Thomaz negou provimento ao recurso do autor, que pediu a elevação da indenização por dano moral e também a condenação do Estado por dano material. A Fazenda Pública estadual requereu a improcedência total da ação ou, pelo menos, a redução da verba indenizatória.
As desembargadoras Flora Maria Nesi Tossi Silva e Isabel Cogan acompanharam o voto do relator. Com o improvimento do recurso autoral e o provimento parcial da apelação do Estado, as partes interpuseram recursos especiais ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O aposentado é representado pela advogada Fabiana Prado Pires de Oliveira.
Imprescritível
O Estado sustentou na apelação a preliminar de ilegitimidade passiva e a necessidade de se chamar a União ao processo. No mérito, alegou prescrição da pretensão condenatória e insuficiência de provas. Subsidiariamente, requereu a redução do valor da indenização estabelecido na sentença.
Segundo o relator, os danos foram causados por policiais da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), da Polícia Civil paulista. Como o Estado responde objetivamente pelos atos de seus agentes, conforme dispõe o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, incabíveis a ilegitimidade passiva e a hipótese de litisconsórcio necessário com a União.
Borelli Thomaz também rejeitou a tese defensiva de prescrição. Ele embasou essa decisão na Súmula 647 do STJ, conforme a qual “são imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar”.
Em relação ao mérito, arquivos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Dops juntados aos autos demonstraram que o autor foi preso em 1962 (quando tinha apenas 17 anos) e em 1972, a totalizar cinco dias, sob a acusação de envolvimento com movimentos supervisionados e reprovados pelo regime político da época.
De acordo com o relator, as incontroversas detenções e a peculiaridade da época são suficientes à caracterização da ofensa à integridade física e moral do autor, “não remanescendo qualquer discussão a respeito do caráter ilícito da conduta (dos agentes estatais), violadora da dignidade, com desprezo aos direitos fundamentais do indivíduo”.
O julgador acrescentou ser “notória a prática de tortura naquelas prisões”, a prescindir de prova nos termos do artigo 374, inciso I, do Código de Processo Civil. “Portanto, está presente o nexo causal entre o alegado dano moral e a irregularidade nas condutas dos agentes públicos, de que resultaram abalo emocional”.
No pedido de dano material, o autor argumentou que possuía uma mercearia por ocasião da sua segunda prisão, em 1972, e os agentes da repressão o apontaram como “terrorista” perante a clientela. Em virtude desse fato, após ele ser colocado em liberdade, o comércio pereceu pelo afastamento da freguesia, resultando no encerramento das atividades.
“O dano material não se presume e deve ser comprovado, pois a indenização se mede por sua extensão”, anotou o relator. Ao negar provimento a esse pedido do ex-preso político, o julgador endossou a sentença, que não vislumbrou liame entre a suposta imputação ao autor da condição de terrorista por agentes do Estado e o declínio do seu negócio.

Década de perseguição
A inicial narra que o autor foi detido pela primeira vez, por um dia, em 1962, por estar munido de material para fazer pichamentos. Nos anos seguintes, ao assumir papel de maior relevância no movimento estudantil na Baixada Santista, foi intensificada a perseguição política contra ele.
Em 7 de abril de 1972, agentes do Dops acusaram o autor de distribuir em Santos o jornal Voz Operária, do Partido Comunista Brasileiro, e o detiveram em seu local de trabalho. Durante os quatro dias em que permaneceu preso, sofreu torturas física e psicológica para que assumisse o “crime de panfletagem” e revelasse de quem recebia os exemplares.
Foto: Divulgação/Associação Cultural José Martí
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