
Juiz manda parque fechar até ser recuado muro que ‘privatizou’ praia na Bahia
Por Eduardo Velozo Fuccia
A imposição pelo julgador de medidas indutivas ou coercitivas são cabíveis para assegurar o cumprimento de decisões judiciais, nos termos do artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil. Com essa fundamentação, o juiz federal Pablo Baldivieso, determinou a paralisação das atividades do Arraial d’Ajuda Eco Parque, em Porto Seguro (BA), porque um muro do empreendimento restringe o acesso das pessoas à praia.
Titular da Vara Federal Cível e Criminal de Eunápolis, Baldivieso ressalvou em sua decisão que o parque turístico poderá retomar as suas atividades quando readequar o muro de arrimo na praia, conforme sentença já transitada em julgado. Porém, essa intervenção deve ser executada com base em projeto previamente aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Segundo o julgador, “constatado o desrespeito às normas de proteção ao meio ambiente e ao patrimônio público, a renda auferida com a exploração comercial do empreendimento deve ser considerada ilícita”. Ele acrescentou que a suspensão do funcionamento do parque encontra amparo no “postulado da proporcionalidade”, sem impedir que o executado, uma vez sanado o dano, volte a funcionar normalmente.
A paralisação deve iniciar a partir de 30 dias da intimação dos responsáveis pelo empreendimento, o que aconteceu em 13 de março, conforme oficial de justiça certificou nos autos. Baldivieso determinou que, após esse prazo, a Polícia Federal, o Município de Porto Seguro e a Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental, da Polícia Militar da Bahia, façam o parque cumprir a ordem, em caso de recusa.
Demanda longeva
“Antes que se afirme que a suspensão das atividades da empresa causa prejuízo econômico e pode vir a gerar danos aos empregados e ao turismo local, é necessário informar que o processo tramita há quase 20 anos, sendo que até a presente data não foi solucionado o problema. Assim, pode a atividade econômica ser mais importante que o meio ambiente sustentável?”, questionou o magistrado.
Mais duas perguntas foram registradas pelo juiz em sua decisão: “Pode o direito fundamental das pessoas de acesso à praia ceder ao poder econômico? Ou, ainda, qual estímulo os grandes empreendimentos terão em cumprir as normas ambientais no Brasil, caso o argumento econômico seja aceito?”. A sentença que condenou o parque foi prolatada em março de 2019 pelo juiz federal Márcio Flávio Mafra Leal.

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública em 2007, porque o parque construiu muro de 145 metros que teria importado na “privatização da praia” em Arraial d’Ajuda, sem prévio projeto aprovado pelos órgãos competentes. A inicial ainda acusou supressão de vegetação nativa, drenagem e aterro de áreas indevidas, poluição por esgoto sanitário e impacto visual negativo causado pelos toboáguas do empreendimento.
Um parecer técnico afirmou que a construção do muro “compromete/dificulta, visivelmente, o livre e franco acesso das pessoas à praia naquele trecho”. Outro estudo juntado aos autos disse que a área da barreira de alvenaria “não configura praia”, tratando-se de terreno de marinha. Desse modo, sob o ponto de vista da legislação patrimonial, inexiste “irregularidade direta”.
Mafra Leal reconheceu na sentença haver dúvida sobre o limite exato do que seja praia e do que seja terreno de marinha. Porém, considerando os regimes de maré da região, o julgador aplicou em sua decisão o “princípio da precaução, que é próprio do Direito Ambiental, mas que tem plena pertinência ao interesse público e difuso ora tratado, para que se recue ainda mais o muro”.
Desse modo, ele julgou procedentes os pedidos do MPF para condenar o parque turístico à obrigação de recuar e diminuir a altura do muro de arrimo objeto da ação em dimensões definidas na sentença, bem como de construir rampas de acesso. O empreendimento também foi condenado a enviar ao Iphan projeto de paisagismo do local para executá-lo em 90 dias, após a aprovação, sob pena de multa diária.
A sentença, por fim, impôs ao Arraial d’Ajuda Eco Parque o pagamento de indenização de R$ 18 mil, destinado ao Fundo de Direitos Difusos, em decorrência de ato ilícito derivado do “impedimento de uso de bem público e bloqueio de passagem em área de praia”. O réu apelou, mas a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) negou provimento ao recurso por unanimidade.
Inspeção
O acórdão é de maio de 2019. O empreendimento apenas pagou a indenização, que atingiu o valor de R$ 41,8 mil com a atualização monetária. Com o trânsito em julgado da decisão, o MPF ajuizou pedido de cumprimento de sentença em relação às obrigações de fazer. Antes de determinar a paralisação das atividades do parque, o juiz Baldivieso se certificou de que não foram realizadas as intervenções determinadas no muro.
Relatório de vistoria produzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) constatou que o muro está situado em área coberta periodicamente pelas águas, dificultando o trânsito de pessoas pela praia nos períodos de maré alta. O documentou apontou “grave obstrução da passagem dos pedestres pela praia quando a maré se eleva um pouco”.
“Em toda a extensão do muro há uma calçada com cerca de 2,5 metros de largura, que se inicia com altura acessível aos pedestres da praia, entretanto, vai se tornando cada vez mais alta em relação à praia à medida que se percorre toda a extensão da área do Eco Parque, a ponto de não ser mais possível que uma pessoa consiga alcançá-la da área da praia sem que haja rampa ou escada”, detalhou o relatório.
Curta https://www.facebook.com/portalvadenews e saiba de novos conteúdos