
Motorista será indenizado por esperar quatro dias para descarregar caminhão
Por Eduardo Velozo Fuccia
Eventual adversidade climática não exime os contratantes de serviço de transporte rodoviário de indenizar os caminhoneiros pelo tempo excedente na operação de carga e descarga, bem como não justifica a redução da quantia devida, pois há de prevalecer os termos da Lei nº 13.103/2015.
Com essa fundamentação, a juíza Natália Garcia Penteado Soares Monti, da 3ª Vara do Juizado Especial Cível de Santos, julgou procedente a ação de caminhoneiro autônomo que esperou quatro dias para descarregar 32 toneladas de farelo de soja a granel destinadas ao exterior. “Tal espera se constitui atraso indenizável”, sentenciou.
Três empresas contrataram o frete, sendo condenadas solidariamente a indenizar o autor em R$ 10.527,03. Duas delas ainda sofreram condenação por litigância de má-fé. As rés alegaram que o atraso decorreu de chuvas. Segundo elas, naquela ocasião, em outubro de 2023, o problema afetou a maior parte das cargas movimentadas no Porto de Santos.
Porém, a magistrada rejeitou esse argumento. “Intempéries climáticas não afastam a responsabilidade das rés no pagamento da estadia e respectivas despesas, uma vez que se trata de obstáculo mais do que previsível e inerente à atividade de transporte rodoviário de cargas para o Porto de Santos”.
Pedido subsidiário das requeridas para que os valores fossem reduzidos também foi negado pela julgadora. Ela destacou que a quantia devida ao autor é prevista por norma de ordem pública, de natureza nitidamente protetiva aos direitos dos transportadores autônomos de carga perante os contratantes.
“São direitos indisponíveis, expressamente tarifados na legislação específica de proteção ao transportador autônomo diante da sua hipossuficiência na relação comercial, sendo que qualquer cláusula contratual que diminua a garantia legal se torna nula de pleno direito”, destacou a juíza.

‘Via crucis’
Consta da inicial elaborada pelos advogados William Cláudio Oliveira dos Santos e Mônica Lima Ferreira que o motorista foi contratado para transportar a soja da região de Araçatuba, no interior paulista, até o Porto de Santos. O tempo estimado para o percurso é de cerca de sete horas.
No entanto, entre o início do carregamento do produto e a conclusão da sua descarga transcorreram 98 horas, 20 minutos e 48 segundos de estadia, de acordo com registros eletrônicos e demais documentos juntados aos autos. Segundo a legislação, o tempo máximo de espera é de cinco horas.
“Ultrapassado esse período, deverá o transportador autônomo de carga (TAC) ou a empresa de transporte de carga (ETC) ser compensado, lembrando que a contagem de horas inicia no momento da chegada do motorista ao local, tanto para carregar como para descarregar a carga transportada”, destacaram os advogados.
Também vice-presidente da Associação Comercial dos Transportadores Autônomos (Acta), que atua nas cidades paulistas de Guarujá, Cubatão, Santos e Cravinhos, além de Uberaba (MG), William disse que a cobrança pelo tempo excedente é prevista pelo artigo 11, parágrafo 5º, da Lei nº 13.103/2015, “e deve ser respeitada pelos contratantes”.
A legislação define que o cálculo da quantia a ser paga tem por base o valor de R$ 1,38 t/h (tonelada/hora), atualizado pelo INPC, para veículo com capacidade de 57 toneladas. Outro pedido dos advogados foi o ressarcimento de R$ 723,00 cobrados a título de uso e permanência no estacionamento do Ecopátio.
Segundo a juíza, os documentos apresentados comprovaram que o autor, “embora tenha tentado efetuar a entrega da carga à destinatária em 7 de outubro de 2023, somente logrou êxito em fazê-lo no dia 11 de outubro, quatro dias depois, tendo, no período, utilizado o pátio, a título oneroso, para o estacionamento do caminhão”.
Por essa razão, a magistrada também julgou procedente o pedido do autor para ser reembolsado do que pagou pelo estacionamento do caminhão. A condenação solidária das rés foi respaldada pelo artigo 5º-A, parágrafos 2º e 9º, da Lei 11.442/07. Essa legislação regula o transporte rodoviário de cargas por terceiros, mediante remuneração.

Litigância de má-fé
Natália Monti também condenou duas das rés por litigância de má-fé, porque elas apresentaram “comprovante de depósito intempestivo e unilateral no cartão do autor na tentativa de comprovar nos autos a ocorrência de transação inexistente entre as partes”. O comprovante é de valor bem aquém ao montante pleiteado pelo motorista.
“Evidente que a defesa foi calcada em alteração acerca da verdade dos fatos, buscando tão somente o ilícito propósito de eximir-se da responsabilidade sobre o pagamento devido, utilizando-se da boa-fé do Poder Judiciário para alcançar tal propósito e, ainda, para se enriquecer indevidamente”, concluiu a juíza.
Conforme a sentença, além da condenação solidária das três rés ao pagamento de R$ 11.250,03 (indenização pelo atraso e ressarcimento do valor do estacionamento), com a devida correção monetária desde o ajuizamento da ação, as partes condenadas pela litigância de má-fé deverão pagar multa de 1% sobre o valor da causa.
Ainda devido à litigância de má-fé, a julgadora impôs que as condenadas paguem indenização ao autor de 20%, bem como os honorários para cada advogado do caminhoneiro, arbitrados em 10%, tudo sobre o valor atribuído à causa. Cabe recurso ao Colégio Recursal Cível de Santos.
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