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12/07/2021

TJ-SP absolve trio preso por tráfico após ‘investigação’ de guardas municipais

Por Eduardo Velozo Fuccia

Investigação realizada por guardas civis municipais para desvendar crimes extrapola a competência de atuação que lhes é conferida pela Constituição Federal e usurpa os poderes dados aos policiais pela mesma Carta Magna. Logo, nestas circunstâncias, são ilícitas as provas produzidas pelos primeiros agentes públicos.

Esta fundamentação foi aplicada pela 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para absolver por insuficiência de provas duas mulheres e um homem pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico. Em primeira instância, o trio foi condenado a penas que variam de oito anos a oito anos e dez meses de reclusão.

“A absolvição das rés A. e G. e também do réu C. se impõe pelo reconhecimento da insuficiência de provas, pois de origem ilícita as únicas produzidas, uma vez que foram apresentadas por guardas municipais, os quais não tinham poderes para realizar buscas nas residências desses acusados”, frisou o desembargador Mário Devienne Ferraz.

Relator do recurso de apelação, Ferraz reconheceu que a maior parte dos entorpecentes foi apreendida nas moradias dos acusados, em Sorocaba (SP). Contudo, os imóveis foram alvos de buscas não autorizadas realizadas pelos guardas municipais para, somente depois, haver a constatação da ocorrência de um crime.

Os desembargadores Ivo de Almeida e Andrade Sampaio acompanharam o voto do relator, tornando unânime a decisão. Eles acolheram a tese sustentada pela advogada Rosangela Freitas, defensora das rés. Os argumentos dela também valeram para o terceiro acusado ser absolvido e para um quarto ter a pena drasticamente reduzida.

Advogada Rosangela Freitas teve o seu recurso de apelação acolhido por unanimidade pela 1ª Câmara de Direito Criminal

Flagrante em bar

Segundo denúncia do Ministério Público (MP), no dia 21 de agosto de 2020, os guardas realizavam patrulhamento de viatura e decidiram abordar G.L.C., porque já haviam recebido notícias sobre o “grupo criminoso” do qual ele faria parte. Este homem foi abordado em um bar e portava 23 porções de maconha.

A partir de informações que G.L.C. teria prestado aos guardas, as mulheres A. e G., além do acusado C., tiveram as suas casas revistadas na sequência, sendo apreendidas mais 2.674 porções de maconha, 3.348 de cocaína e 194 de crack, além de 31 comprimidos de ecstasy. As drogas totalizaram 9,3 quilos.

Os quatro acusados foram autuados em flagrante por tráfico de drogas e associação para o tráfico. No dia 11 de fevereiro deste ano, a juíza Margarete Pellizari, da 2ª Vara Criminal de Sorocaba, condenou o grupo por ambos os crimes, fixando o regime fechado para início do cumprimento das penas e vedando a possibilidade de recurso em liberdade.

Em suas razões recursais de 36 laudas, Rosangela Freitas sustentou que as investigações antecedentes à denúncia anônima não foram contra as suas clientes, devendo ainda ser desprezadas as provas produzidas devido à ilicitude. Segundo ela, “diligências apuratórias e invasão de domicílio diferem gritantemente de estado de fragrância”.

“A mera intuição acerca de eventual traficância não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso no domicílio das apelantes”, expôs a advogada. Ela alegou que as clientes ignoravam a existência das drogas em seus imóveis, situados em terreno com outras casas, e acentuou faltar competência à Guarda Civil Municipal para investigar.

Serviços à comunidade

O julgamento do recurso aconteceu no último dia 5. O acórdão da 1ª Câmara de Direito Criminal diz que os guardas municipais, como qualquer cidadão, estão autorizados e legitimados, dentro do princípio de autodefesa da sociedade, a prender quem estiver em flagrante e, nestas circunstâncias, a apreender objetos e instrumentos do crime.

“Todavia, não podem, extrapolando sua competência e usurpando os poderes conferidos pela Carta Magna às forças policiais, investigar denúncias anônimas e realizar buscas não autorizadas, como as versadas nestes autos, com invasão da esfera da intimidade de alguém para, só então, constatarem a ocorrência de um crime”, ressaltou o colegiado.

Para os desembargadores, não houve situação de flagrância anterior à “indevida invasão” dos agentes municipais em imóveis alheios para a realização de buscas não autorizadas pela Justiça, devendo ser nula toda prova decorrente desta operação. O colegiado apenas considerou lícita a apreensão das 23 porções de maconha achadas com G.L.C. no bar.

Este homem admitiu em juízo que venderia as porções que portava, mas não confirmou em seus interrogatórios nas fases policial e judicial ter indicado os endereços onde foi achado o restante dos entorpecentes. Em primeiro grau, ele foi condenado a cinco anos de reclusão por tráfico de drogas e a três anos pelo crime de associação para o tráfico.

Com a absolvição dos demais réus pela associação, G.L.C. também foi absolvido por este delito. O TJ-SP manteve a condenação por tráfico deste acusado, mas levou em conta só aquilo que ele portava. Desse modo, a sua pena foi reduzida para um ano e oito meses de reclusão em regime aberto, sendo substituída por prestação de serviços à comunidade.


Crédito da foto principal: Agência Sorocaba de Notícias

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