
Juíza impede silêncio parcial de réus e tribunal anula condenações
Por Eduardo Velozo Fuccia
Quem pode mais, pode menos. Com outras palavras, mas com essa lógica, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) deu provimento à apelação de três condenados por integrar organização criminosa e lavagem de dinheiro, anulando o processo a partir de seus interrogatórios. O acórdão determinou ao juízo de origem ouvi-los de novo, garantindo-lhes o direito ao silêncio parcial, que havia sido negado.
O colegiado ainda estendeu de ofício os efeitos de sua decisão aos demais corréus, a fim de que os novos interrogatórios de todos os acusados sejam realizados “com a observância dos direitos constitucionais à ampla defesa e à não autoincriminação, notadamente o direito ao silêncio, total ou parcial, devendo ser prolatada nova sentença, após a apresentação das alegações finais pelas partes”.
Os recorrentes alegaram cerceamento de defesa. Segundo eles, o juízo de primeiro grau não permitiu que eles respondessem no interrogatório apenas as perguntas formuladas pelos respectivos advogados. Conforme a magistrada que presidiu a audiência, o Ministério Público e a defesa só devem fazer perguntas “complementares” às do juiz e, se o réu se negar a responder estas, o que é seu direito, não há nada a ser acrescentado.
Segundo a juíza, o seu dever é zelar pela “paridade de armas” entre as partes. Por isso, não cabe permitir o silêncio dos acusados nos questionamentos do MP e possibilitar que eles se manifestem nas indagações da defesa. Contudo, para não se alegar cerceamento de defesa, a julgadora facultou aos advogados constarem nas alegações finais aquilo que os clientes pretendiam dizer, “ipsis litteris”, em seus interrogatórios.
Silêncio seletivo
“O interrogatório é um legítimo meio de defesa, tratando-se da oportunidade processual em que o acusado poderá praticar a sua autodefesa, ainda que opte por manter-se em silêncio, mesmo que de maneira parcial”, frisou o desembargador Agostinho Gomes de Azevedo. Ele citou que a Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXIII) e o Código de Processo Penal (artigos 186 e 198) preveem o direito do réu de permanecer calado.
Relator da apelação, Azevedo explicou que a garantia ao silêncio é para evitar que os acusados produzam provas contra si. “Verifica-se que os acusados possuem o direito constitucional de silenciarem-se em relação à totalidade das perguntas, não havendo qualquer vedação interpretativa que os impeça de silenciarem-se em parte do que lhes será perguntado”. O desembargador também criticou o juízo de primeira instância.
“A negativa por parte da magistrada de possibilitar o exercício ao nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a se incriminar) de maneira parcial demonstra não só um desrespeito ao direito da autodefesa, como também a violação de uma garantia fundamental, o que gera evidente prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa”, concluiu Azevedo.
Os desembargadores Sálvio Chaves e Paulo Calmon Nogueira da Gama seguiram o relator, inclusive para estender os efeitos do acórdão aos demais acusados. A ação penal tramita na comarca de Belo Horizonte e tem 11 réus, dos quais dois foram absolvidos. Os nove que foram condenados recorreram, mas apenas as defesas de três arguiram a preliminar de nulidade do feito devido à negativa de silêncio parcial nos interrogatórios.
Segundo o MP, entre 2015 e 2021, em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, os réus se associaram em uma organização criminosa para o cometimento dos crimes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Consta da denúncia que foram abertas contas bancárias em nome de empresas de fachada constituídas por “laranjas” ou “testas de ferro”. Os nove condenados foram apenados de três anos de reclusão a 22 anos e cinco meses.
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