
Juíza proíbe GCM de aplicar regulamento militar e guardas já podem usar barba
Por Eduardo Velozo Fuccia
A aplicação de regulamentos disciplinares de natureza militar a guardas civis, como os que proíbem o uso de barba e obrigam a prestar continência, afronta o Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei Federal 13.022/2014) e deve ser abolida.
A juíza Daniela Anholeto Valbao Pinheiro Lima, da 6ª Vara Cível de São Caetano do Sul (SP), adotou esse entendimento ao julgar procedente ação que requereu a declaração de nulidade dos dispositivos de natureza militar aos quais são submetidos os membros da Guarda Civil Municipal (GCM) da cidade.
“A vedação a regulamentos militares não compromete a disciplina necessária ao bom funcionamento da guarda municipal, apenas a adequa aos parâmetros constitucionais e legais”, observou a julgadora.
De acordo com a magistrada, as polícias civis estaduais e a Polícia Federal também são instituições armadas de segurança pública e não se submetem a práticas militares, “mantendo sua funcionalidade e disciplina através de códigos de conduta próprios compatíveis com sua natureza civil”.
Continência, barba e greve
Autora da demanda, a Associação dos Servidores Públicos de São Caetano do Sul também atende aos interesses dos guardas. A entidade postulou a concessão de tutela de urgência para a suspensão imediata dos regulamentos com viés militar, sob pena de multa.
A ação declaratória foi ajuizada contra a Prefeitura de São Caetano do Sul. O advogado Allan Kardec Campo Iglesias, do escritório Bottiglieri & Iglesias, representa a autora e juntou na inicial documentos que comprovam a sujeição dos guardas civis a sanções disciplinares por infrações típicas de militares.
As punições se referem à obrigação de prestar continência, à vedação ao uso de barba, à padronização de cortes de cabelo, à utilização de pronomes hierárquicos específicos e à proibição de participar de atividades sindicais preparatórias para greve.
Iglesias também anexou fotografias que mostram guardas em formação de ordem unida, prática exclusiva das Forças Armadas. “O próprio quartel da Guarda Civil Municipal foi denominado ‘Coronel Juventino Borges’, adotando nomenclatura militar vedada pelo artigo 19 da Lei Federal 13.022/2014”, afirmou o advogado.
Segundo Daniela Lima, as exigências do município que foram denunciadas extrapolam os limites da razoável disciplina administrativa e adentram na seara da disciplina militar. Além disso, violam os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade.

Descompasso legal
A Prefeitura pugnou pela improcedência da inicial. Sustentou que os municípios possuem competência constitucional para organizar suas guardas municipais e os regulamentos das corporações são justificados pela natureza da função exercida.
No caso de São Caetano do Sul, a atividade da GCM é regida pela Lei Complementar Municipal 31/2023 e por regulamentos internos. Porém, a juíza apontou o “claro descompasso entre a norma local e a federal que instituiu o Estatuto Geral das Guardas Municipais”.
O artigo 2º da lei federal estabelece que as guardas municipais são “instituições de caráter civil”. O parágrafo único do artigo 14 determina que “as guardas municipais não podem ficar sujeitas a regulamentos disciplinares de natureza militar”.
“Esta vedação legal não é meramente formal, mas reflete a opção do legislador federal em preservar a natureza civil das guardas municipais, distinguindo-as das Forças Armadas e das polícias militares estaduais. Tal distinção é fundamental para o sistema constitucional de segurança pública”, avaliou a julgadora.
A juíza acrescentou que a Constituição Federal (artigo 144, parágrafo 8º), por sua vez, não faz qualquer menção a eventual natureza militar dessas corporações, inserindo-as no contexto da segurança pública como instituições de caráter civil.

Sentença e tutela
O pedido de tutela de urgência foi indeferido no início da ação. No entanto, a magistrada observou a possibilidade de concedê-lo na sentença por verificar a presença dos requisitos previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil (CPC), como a probabilidade do direito (reconhecida na decisão de mérito) e o perigo da demora.
“A continuidade da aplicação de regulamentos militares a guardas civis causa dano de difícil reparação aos direitos fundamentais dos servidores, justificando a suspensão imediata de tais práticas”, decidiu a juíza.
A julgadora estabeleceu multa diária de R$ 1 mil para cada descumprimento comprovado da GCM de São Caetano do Sul. Quanto ao mérito, a ação foi julgada procedente para declarar inaplicáveis os dispositivos da legislação municipal e dos regulamentos derivados que forem contrários ao Estatuto Geral das Guardas Municipais.
A Prefeitura também deverá arcar com as despesas processuais, exceto a taxa judiciária da qual é isenta por força de lei. Independentemente de recurso da ré, a sentença está sujeita ao duplo grau de jurisdição, nos termos do artigo 491, inciso I, do CPC.
Fotos da GCM: Divulgação/PMSCS
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