“A porta está aberta para o caixa 2”, afirma advogado especialista em Direito Eleitoral
Por Eduardo Velozo Fuccia (*)
“Os números do custo-democracia são alarmantes”. A afirmação é do advogado Marco Antonio da Silva, especializado em Direito Eleitoral, e se refere ao dinheiro público que a União injetará nas eleições deste ano. Porém, os vultosos valores do fundo especial de financiamento de campanha, orçados para o pleito de 2018 em R$ 1 bilhão e 700 milhões, ainda não serão suficientes para cumprir o objetivo para o qual, em tese, ele foi instituído. “Se antes havia caixa 2 de dinheiro ilícito nas campanhas eleitorais, proveniente de tráfico de drogas, contrabando, corrupção e outros crimes, agora a porta está aberta para o caixa 2 também de recursos financeiros lícitos”, afirma Marco Antonio. Mestre em Direito e professor de Direito Eleitoral no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em São Paulo, Marco Antonio não atribui a sua declaração a mera opinião ou previsão. Em entrevista exclusiva, o advogado embasa o seu ponto de vista em uma análise das recentes mudanças instituídas na legislação conjugadas com o cenário político nacional exposto a partir das revelações trazidas pela Operação Lava Jato. De acordo com o especialista em Direito Eleitoral, com a pretensa intenção de coibir o caixa 2 e outras formas de corrupção nas campanhas, o legislador editou a Emenda Constitucional 97, em 4 de outubro de 2017, e as leis 13.487 e 13.488 dois dias depois. Elas introduziram mudanças ao Código Eleitoral e a três leis, entre as quais a nº 13.165, que instituiu a minirreforma eleitoral de 2015. Segundo o advogado, regras “confusas” e elaboradas a “toque de caixa” e de “forma casuística”.
De forma resumida, a Emenda Constitucional 97 e as leis 13.487 e 13.488 instituíram mudanças em quais regras da legislação eleitoral?
Basicamente nas regras da propaganda eleitoral, da fidelidade partidária e do financiamento de campanha eleitoral e também partidário.
Em relação às regras sobre o financiamento, elas irão moralizar as campanhas?
Eu creio que não. De verdade, as novas regras trazem um facilitador administrativo aos partidos políticos e até fortalecem as direções partidárias. A partir deste momento, o candidato deve captar dinheiro da iniciativa privada de pessoas físicas. Ele não pode mais captar de pessoas jurídicas. Com a criação do fundo especial de financiamento público de campanha, os partidos políticos foram fortalecidos do ponto de vista financeiro. Os candidatos estão muito mais vinculados às suas direções e caberá a cada partido realizar a distribuição dos recursos, mediante normas estabelecidas e requerimento por escrito do interessado.
Mas as alterações não seriam para acabar ou, pelo menos, frear o caixa 2?
O mais importante é que se diga que antigamente existia o malfadado caixa 2. No entanto, a criação do fundo especial de campanha, que é composto integralmente de valores oriundos do orçamento da União, portanto, dinheiro público, não trouxe qualquer instrumento para coibir o caixa 2. Ao contrário, ele vai acabar incentivando-o.
Como assim? O caixa 2 será estimulado e poderá aumentar?
Sem dúvida. Nós teremos o caixa 2 com dinheiro ilícito, como sempre houve. Há a possibilidade de ocorrer dentro de partido político a lavagem de capitais, popularmente chamada de lavagem de dinheiro…
Poder ser mais didático?
Partidos menos sérios poderão receber um dinheiro fruto de crime com a ciência do seu dirigente, que o substitui por recursos públicos. Então, desse modo, é lavado o capital. A novidade é que agora poderá haver caixa 2 de dinheiro lícito, quando um empresário quer ajudar financeiramente a campanha de um candidato amigo, sem poder, mas o faz. Obviamente, isso implicará em uma fraude contábil na empresa e na prestação de contas da campanha, que, se descoberta, sujeitará os envolvidos, candidato e doador, às penas do crime de falsidade ideológica eleitoral. Tudo isso sem prejuízo do crime de lavagem de dinheiro, se o recurso for de origem ilícita.
E para os partidos políticos, nas pessoas de seus dirigentes, não sobra nenhuma responsabilização criminal?
O partido poderá ser responsabilizado, mas não necessariamente, porque se o dinheiro foi doado diretamente ao candidato, nem sempre a agremiação partidária tem ciência de eventual procedência criminosa dos recursos.
Então, uma inovação é a expressa proibição de doações por parte das empresas, independentemente do valor e ainda que legal a origem do dinheiro?
Sempre houve o caixa 2. Quando era permitida a doação de pessoa jurídica, ele já acontecia com recursos de origem ilícita. Mas, agora, com a proibição de doação de empresas, ele deverá ocorrer também com dinheiro lícito. Mas isso não significa que nunca houve caixa 2 com recursos lícitos.
O fundo de financiamento de campanha sai do orçamento da União, que reservou R$ 1 bilhão e 700 milhões para as eleições de 2018. Como foi composto este valor?
É importante salientar que a legislação não prevê o seu valor, que é definido pela lei orçamentária imediatamente anterior à eleição. O fundo é composto pelas isenções das propagandas partidárias concedidas às emissoras de rádio e de televisão, ou seja, aquelas pelas quais os partidos buscavam angariar filiações e que agora foram extintas, além de verbas públicas de diversas áreas. Assim, o fundo irá substituir o que deveria ser investido em educação, saúde, infraestrutura e outras áreas.
Traduzindo em números, o que isso significa?
Do montante de R$ 1 bilhão e 700 milhões, R$ 350,5 milhões saíram da saúde, R$ 121,8 milhões deixaram de ser investidos em educação e as isenções das concessionárias de rádio e de televisão somaram R$ 450 milhões, totalizando R$ 922,3 milhões em recursos. A diferença de R$ 777,7 milhões vem de verbas de infraestrutura, esportes e outras áreas. O orçamento já foi sancionado e esses números são públicos.
Apenas esse dinheiro, se é possível e correto dizer apenas, financiará as campanhas?
Oficial e legalmente há a possibilidade de doações privadas, desde que feitas pelo próprio candidato ou por pessoa física no limite de 10% de sua arrecadação do ano anterior.
Na sua opinião, esse modelo de financiamento público, com a possibilidade de doações de pessoas físicas dentro de limites estabelecidos pela lei, é o mais adequado?
Não acho mais adequado, porque a organização social para a disputa pelo poder é de natureza privada. O Estado é a destinação final. Os partidos têm essa denominação justamente porque são partes da sociedade que lutam pelo poder. Partido que não luta pelo poder não é partido, é farsa. Pessoas que estão em partidos que não lutam pelo poder defendem conveniências próprias e não ideologias. Partido serve para isso: para um dia chegar ao poder e dar a sua colaboração ao município, estado e País. Então, esse financiamento tem que ser privado. Não podemos admitir que no Brasil, onde pouco se investe em saúde e educação, se retire dinheiro das UBSs (unidades básicas de saúde), dos hospitais, das creches e das escolas, que estão sucateados, para colocar em partidos políticos. Mas isso não significa que não deva existir regras claras e instrumentos de fiscalização daquelas pessoas (físicas e jurídicas) que doam para partidos. Evidentemente, não podemos incentivar cartéis, para que após as eleições os doadores sejam favorecidos em licitações fraudulentas. Uma coisa não exclui a outra.
Diante desse quadro, o que poderia ser feito para amenizar os impactos sociais do fundo de financiamento?
A grande questão do fundo é que ele é um dinheiro público retirado de outras áreas para financiar campanhas com um valor exorbitante. Deveríamos buscar o barateamento das campanhas eleitorais e não manter o mesmo padrão de quando grandes empreiteiras e bancos faziam as doações. A sociedade não pode substituir tais agentes econômicos, assumindo esse encargo bilionário.
(*) Publicado no jornal A Tribuna em 15/jan/2018