Invasões de áreas, grilagens e a improbidade administrativa de agentes públicos
Por Alexandre Berzosa Saliba e
Roberto Lemos dos Santos Filho
O direito fundamental à moradia, direito social de todo cidadão e que se constitui num dos pressupostos para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser garantido pelo Estado através da instituição de políticas públicas e criação dos meios materiais necessários ao seu exercício.
O acesso difícil a um pedaço de terra e à moradia, devido à ausência de uma política habitacional eficiente, aliada à omissão dos poderes públicos municipais, não respondendo à demanda de moradias, tem dado causa a ocupações ilegais, levando a população menos favorecida a ocupar áreas públicas ou privadas, sem interesse econômico, para morar. São áreas, geralmente localizadas na periferia, sem nenhuma infraestrutura e serviços essenciais, como saúde, educação, condições básicas para a cidadania.
Daí a relevância da atuação dos municípios que, por imposição constitucional, têm o dever de estabelecer uma política de desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (CF/88, artigo 182) e promover o adequado ordenamento do seu território, mediante o planejamento e o controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (CF/88, artigo 30, VIII).
Aliás, a teor do artigo 23, incisos IX e X, da Constituição, é da competência do município o planejamento e desenvolvimento de políticas públicas para “promover programas de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico e combater as causas de pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.
Por sua vez, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), ao regulamentar o artigo 182 antes citado, entre as diretrizes gerais prevê o direito à moradia e ao saneamento ambiental, para as presentes e futuras gerações (artigo 2º, I), e a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda (artigo 2º, XIV).
Portanto, a atuação efetiva do município, que contribuirá para efetivação de uma cidade legal e urbanizada, que vise ao bem-estar da coletividade, será de grande valia para combater a exclusão social e assegurar dignidade às pessoas.
Realmente, a atuação preventiva do município, no sentido de evitar as ocupações irregulares, será da maior importância, pois, uma vez implantando um assentamento e sendo ele ocupado, as dificuldades na resolução do problema serão muito mais complexas, difíceis e onerosas. E, se for necessário acessar o emprego de meios judiciais, a situação fica mais difícil.
Por outro lado, a regularização fundiária rural e urbana, prevista na Lei nº 13.465/2017, no que diz respeito às ocupações já implantadas, cujo objetivo a ser observado pelos poderes públicos de todas as esferas é garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas (artigo 10, VII e VIII), se apresenta como um instrumento urbanístico, social, ambiental e econômico de grande importância.
Entretanto, pelo que temos assistido, os municípios não têm cumprido com o seu dever, principalmente o de evitar as ocupações ilegais.
Em casos de ocupações ocorridas em áreas de proteção ambiental, o Ministério Público tem acionado os municípios por omissão no dever de fiscalizar, sendo eles condenados a arcar com os danos ambientais, a remoção dos ocupantes etc.
Todavia, conforme vem sendo entendido, tal solução não é justa, pois, a rigor, não se justifica que só o poder público seja condenado, pois quem acabará arcando com o prejuízo será o contribuinte. No caso, os agentes e servidores que deixam de cumprir o dever legal de fiscalização para evitar as ocupações ou a implantação de loteamentos clandestinos ou ilegais, assim como promover a regularização do assentamento ilegal, devem ser responsabilizados por improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, artigo 11).
Em suma, uma vez que a regularização fundiária não visa apenas a regularizar a titulação dos moradores, mas também, e principalmente, criar meios para erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e dar condições dignas de vida àquelas pessoas, é preciso que os agentes e servidores públicos cumpram o seu papel, sob pena de serem responsabilizados por improbidade administrativa.
Foto: Dique da Vila Gilda, em Santos (SP). Crédito: William R. Schepis/Instituto EcoFaxina
Alexandre Berzosa Saliba – juiz federal da 1ª Vara de Santos (SP) e mestrando em Direito pela Universidade Católica de Santos.
Roberto Lemos dos Santos Filho – juiz federal da 5ª Vara Criminal de Santos (SP), mestre e doutorando pela Universidade Católica de Santos.