Sem interesse social e licitação, doação de área pública a empresa é anulada
Por Eduardo Velozo Fuccia
A doação de bem imóvel público a particular tem que ser norteada pelo interesse social e precedida de licitação, sob pena de violar princípios constitucionais. Devido à ausência desses requisitos, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) negou provimento ao recurso de apelação de um frigorífico e manteve sentença que declarou a ineficácia de lei municipal responsável por doar uma área à empresa.
“Não é razoável que um administrado seja agraciado com um bem pertencente à sociedade sem cumprir os ditames legais ou uma função social, como se deu na hipótese”, apontou o desembargador relator Júlio Cezar Guttierrez. Para ele, houve nítida violação aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, indisponibilidade, razoabilidade e motivação.
A doação foi respaldada pela Lei Municipal 4.177/2012. Com o objetivo de doar o imóvel público ao frigorífico, o projeto dessa legislação foi encaminhado pelo então prefeito de Ituiutaba à Câmara, que o aprovou. O Ministério Público estadual ajuizou ação civil pública pleiteando a declaração de ineficácia da lei, com efeitos ex tunc (retroativos), e a consequente anulação de todos os atos administrativos relativos à doação.
O juiz Roberto Bertoldo Garcia, da 3ª Vara Cível de Ituiutaba, destacou na sentença que, embora seja possível doar imóvel público a particular, após a devida desafetação, a doação ignorou no caso dos autos “formalidades essenciais para a legalidade do negócio”. Em seu recurso, o frigorífico alegou que a Administração Pública não sofreu prejuízo e a empresa gerou ao município receita, empregos e carne de qualidade à população.
Porém, os argumentos do frigorífico foram rechaçados pelo colegiado. “Não restou claro que a doação do bem ao apelante visava atender aos interesses sociais, fato que aponta para satisfação única dos interesses particulares da donatária, pessoa jurídica de direito privado a qual pretendia investir o montante de R$ 7 milhões na propriedade recebida, mas com o intuito de beneficiar a própria empresa”, observou Guttierrez.
Segundo o relator, o prefeito não apresentou justificativa plausível para escolher o frigorífico, em detrimento a outros comerciantes do ramo, havendo ainda ausência de prova de prévia publicidade de que o imóvel seria doado a quem preenchesse os requisitos previstos na lei municipal. “Notório prejuízo público, principalmente pelo fato de que a Frig’West desenvolve atividade de interesse particular”.
Os desembargadores Sandra Fonseca e Renan Chaves Carreira Machado seguiram o relator. Conforme o acórdão, a falta de tratamento isonômico por parte do chefe do Executivo, ao doar o bem público ao apelante sem prévio processo licitatório e sem o respaldo de alguma hipótese autorizadora da contratação direta, deixou de atender aos requisitos estabelecidos em lei, “promovendo a dilapidação do patrimônio público”.
Ao ratificar a sentença, a fim de declarar a ineficácia da lei municipal e tornar nulos os seus efeitos, o colegiado esclareceu que não analisou se ela é ou não inconstitucional. Coube à 6ª Câmara Cível verificar que houve “manifesto descumprimento do comando maior” contido no artigo 37 da Constituição, bem como de artigos das leis federais 8.666/1993 (licitações) e 8.429/1992 (sanções a atos de improbidade administrativa).
Foto: Robert Leal/TJ-MG
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