Mulher é condenada por racismo ao chamar de “macaco” funcionário de prédio
Por Eduardo Velozo Fuccia
Não importa a justificativa apresentada, chamar uma pessoa negra de “macaco”, pelo contexto histórico do País, caracteriza o crime de racismo e possui peso distinto se a referência fosse com alguém branco. A juíza Carla Milhomens Lopes de Figueiredo Gonçalves De Bonis, da 3ª Vara Criminal de Santos (SP), aplicou esse entendimento ao condenar uma mulher. A ré fez alusão ao primata ao conversar com um funcionário do edifício onde mora. A sentença foi publicada na terça-feira (23/7) e cabe recurso.
“A desumanização de pessoas negras por meio da associação com o animal macaco consiste em prática violenta, que, partindo da ideia de inferioridade das pessoas negras – as quais sequer seriam seres humanos –, conduz à perpetuação de um cenário de desigualdade e preconceito na sociedade”, destacou a julgadora. Satisfeitos requisitos legais, a pena de dois anos de reclusão em regime aberto foi substituída por prestação pecuniária à vítima, no valor de três salários mínimos (equivalente a R$ 4.236).
O Ministério Público (MP) narrou na denúncia que o funcionário do prédio, em razão da raça e cor, teve a dignidade e o decoro ofendidos por Jacqueline Maria Império, de 60 anos, no dia 12 de abril de 2023. Nas dependências do edifício, a moradora perguntou ao colaborador sobre o que havia acontecido com um dos elevadores. Como ele não soube responder de imediato que o equipamento passava por manutenção, a ré disparou: “você parece aqueles macacos que não ouvem, não enxergam e não falam”.
O elevador estava parado entre o primeiro andar e o subsolo. Na fase do inquérito e em juízo, o técnico que vistoriava o equipamento afirmou que ouviu a condômina chamar o funcionário do prédio de “macaco”. A síndica não se encontrava no Edifício Orquídea Home Park, no José Menino, mas para lá se dirigiu tão logo soube do episódio. Em seu depoimento na audiência de instrução, ela declarou que o colaborador estava “abalado” quando lhe reportou o ocorrido, razão pela qual lhe concedeu dois dias de licença.
Apesar de intimada, a acusada não compareceu à delegacia para apresentar a sua versão dos fatos. Em juízo, ela negou qualquer conduta racista, alegando não se recordar de nenhum problema com o funcionário do condomínio. Porém, disse que em data anterior ao evento citado na denúncia, de maneira genérica e sem se referir direta ou exclusivamente à vítima, disse que as pessoas do prédio nunca sabiam de nada e, por isso, pareciam os macaquinhos que não falam, não veem e não ouvem.
Alegação rechaçada
A condômina argumentou ter feito apenas menção à lenda japonesa dos Três Macacos Sábios. Segundo o budismo, eles representam a divindade de seis braços Vajrakilaya, cujo principal ensinamento é não ouvir, ver ou falar mal para não atrair algo negativo. No entanto, para a magistrada, essa pretensa justificativa seria plausível se houvesse sido comprovada pelos demais elementos de prova, o que não ocorreu, e “não se presta a afastar o dolo de ofender a honra da vítima por sua cor e raça”.
Carla De Bonis assinalou na sentença que o ofendido, desde o primeiro desabafo feito à testemunha presencial logo após o fato, assim como no depoimento policial e, finalmente, em juízo, declarou firmemente ter sido chamado de “macaco” pela acusada, sentindo-se ofendido em sua honra. “A condenação é medida de rigor. O artigo 2º da Lei nº 7.716/1989 tipifica a conduta de ‘injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional’”, concluiu.
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