Ex-cúpula da Codesp se livra de ação após juiz rever decisão e rejeitar denúncia
Por Eduardo Velozo Fuccia
A decisão que recebe a denúncia é passível de ser revertida se, após o réu apresentar a sua resposta à acusação, ficar evidenciada de plano a carência de justa causa, de pressuposto processual ou de condição da ação, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 2014.
O juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos, aplicou essa fundamentação para rever a sua própria decisão e rejeitar de forma superveniente a denúncia contra três ex-integrantes da alta cúpula da extinta Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), atual Autoridade Portuária de Santos (APS).
Um desses réus presidiu a companhia, enquanto demais comandaram as diretorias financeira e de operações e logística. Contra eles, o procurador da República Thiago Lacerda Nobre imputou os crimes de peculato e dispensa indevida de licitação, que teriam causado prejuízo superior a R$ 35,5 milhões à Codesp.
“O simples fato de ocuparem tais cargos não pode ser interpretado como indício de autoria. Para viabilizar a acusação é necessário que o Ministério Público Federal indique as condutas criminosas supostamente praticadas, uma vez que a responsabilização penal objetiva é como regra vedada em nosso ordenamento”, observou o julgador.
A denúncia do MPF tem 104 laudas e se refere à Operação Tritão, da Polícia Federal, que investigou supostas irregularidades em uma licitação. O certame resultou na celebração de contrato entre a Codesp e a empresa Sphera Security, cujo objeto foi a prestação de serviços relativos ao cumprimento de norma internacional de segurança nos portos.
De acordo com Lemos, apesar da “extensa denúncia”, as condutas atribuídas ao ex-presidente e aos ex-diretores foram descritas “de modo extremamente vago em apenas três parágrafos”. Para o juiz, a acusação nesses termos se apresenta “meramente especulativa” e fere as garantias constitucionais ao contraditório e à ampla defesa.
“Não é razoável, tampouco proporcional, exigir dos réus que eles se defendam de fatos vagos, não contextualizados, desprovidos de elementos que sugiram a presença de dolo”, ponderou o julgador. Segundo ele, o MPF não explanou de modo preciso as ações ilícitas supostamente cometidas pelos denunciados.
Lemos acrescentou que os dois delitos atribuídos aos réus exigem inequívoca intenção por parte dos autores para se concretizarem. Porém, a denúncia não apontou fatos concretos sugerindo que eles “assinaram, aprovaram ou participaram da execução do contrato munidos de dolo necessário à caracterização dos ilícitos”.
Para o juiz, não se pode exigir dos réus a demonstração de que ignoravam os supostos caráter espúrio da licitação e conluio de outros servidores na celebração do contrato. “Não é possível impor à defesa o ônus de produzir prova negativa (prova diabólica), pois ainda vigora em nosso ordenamento o princípio da presunção de inocência”.
Situação diversa
O MPF denunciou mais cinco pessoas, contra as quais, após apreciar as suas respectivas respostas à acusação, o juiz manteve a decisão que recebeu a inicial. “Foram trazidos elementos concretos e apontadas condutas devidamente contextualizadas dentro da narrativa delitiva que sugerem, pelo menos em tese, a prática de crimes”.
Dentre esses fatos, Lemos destacou como principais os supostos recebimento de propinas, acordo escuso para desclassificar outra empresa do certame, falsificação de assinatura e elaboração de notas fiscais e relatórios ideologicamente falsos. As datas das audiências de instrução em relação a esses cinco réus ainda serão designadas.
Absolvição
No ano passado, em outra ação penal derivada da Operação Tritão, 11 pessoas, oito delas integrantes da diretoria da extinta Codesp, foram absolvidas pelo juízo da 5ª Vara Federal de Santos. O objeto desse processo foi o contrato firmado entre a companhia e a empresa Vert, no valor de R$ 2,7 milhões, para o monitoramento do porto com drones.
Conforme a sentença, a má gerência de órgão público justifica uma criteriosa investigação e a responsabilização dos gestores na esfera cível-administrativa No entanto, ela é insuficiente para puni-los criminalmente sem a comprovação de que tiveram intenção de lesar o erário para benefício próprio ou de terceiros.
Foto: Ricardo Botelho/Minfra
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