Disparar quando policiais chegam nem sempre é tentativa de homicídio, decide juíza
Por Eduardo Velozo Fuccia
Sem animus necandi – desejo de matar – não se configura tentativa de homicídio, ainda que os disparos tenham sido efetuados por alguém na iminência de ser detido por policiais.
Com essa fundamentação, a juíza Lívia Maria de Oliveira Costa, auxiliar da Vara do Júri de Santos, desclassificou o crime de tentativa de homicídio qualificado, que é hediondo, para o delito de mera resistência, revogando a prisão preventiva de um rapaz acusado de disparar na direção de dois investigadores.
“Não se vislumbra que a ação do acusado teve alvo certo e dolo (intenção) de matar. O acusado apenas desejava empreender fuga e evitar a aproximação da viatura policial, de modo que, em princípio, o crime é de resistência”, decidiu a magistrada, no último dia 2.
Beneficiário da decisão, Kleber Pereira da Silva, o Klebinho, de 21 anos, nega a autoria dos disparos. “Não há prova material da alegada tentativa de homicídio. Sequer a viatura foi atingida. Na hora do crime, o meu cliente trabalhava em um carrinho de lanches em outro local. Além disso, pela distância em que estavam, os investigadores não teriam como ver o autor dos tiros”, sustenta o advogado Francisco Martori Sobrinho.
O jovem ficou conhecido nos meios policiais em janeiro, após aparecer nas redes sociais em vídeos portando uma aparente pistola e um cigarro de maconha, no Morro do José Menino, em Santos.
A captura do rapaz ocorreu no dia 21 de janeiro, no Gonzaga. Na ocasião, ele se dirigia ao 7º DP de Santos para prestar esclarecimentos sobre a filmagem. Porém, policiais da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) o detiveram antes que chegasse no distrito. Eles portavam mandado de prisão temporária de 30 dias de Klebinho.
A ordem de captura se referia à tentativa de homicídio sofrida por dois investigadores da DIG, em 18 de agosto de 2018, no Morro do José Menino. Os policiais foram ao local para apurar um roubo, sendo surpreendidos por disparos. Eles escaparam ilesos e revidaram os tiros, sem também atingir quem supostamente tentou matá-los.
A DIG só esclareceu o atentado em janeiro, após viralizarem os vídeos de Klebinho no mesmo Morro do José Menino. Porém, o advogado Martori destaca que os policiais o “confundiram” e não o reconheceram “pelo rosto”, mas em virtude de ter o antebraço tatuado, como tantas outras pessoas.
O réu negou o ataque aos policiais civis ao ser interrogado na DIG e em juízo, mas teve a temporária convertida em preventiva e foi denunciado pelo Ministério Público (MP). No entanto, após a fase de produção de provas, o próprio MP, representado pelo promotor Geraldo Márcio Gonçalves Mendes, se manifestou favorável à desclassificação da tentativa de homicídio e à revogação da prisão cautelar.
Klebinho diz estar arrependido com a produção dos vídeos e temer represálias de policiais. Segundo ele, a pistola que portava na filmagem não é de verdade, mas “airsoft” (de pressão), tendo-a pego emprestada apenas para realizar as gravações com a câmera do seu celular.