Apenas depoimento de testemunha protegida é insuficiente para submeter réu a júri
Por Eduardo Velozo Fuccia
O depoimento isolado de testemunha protegida, sem ser confirmado por outros meios de prova, é insuficiente para submeter a julgamento popular acusados de homicídio. Com essa fundamentação, a juíza Luciana Castello Chafick Miguel impronunciou quatro acusados de participação na execução de um policial civil, em Santos. Um quinto réu, no entanto, conforme decidiu a magistrada, será levado a júri. Além de confessar o crime, ele teve as suas impressões digitais coletadas por peritos na Blazer da vítima.
Pronúncia é uma decisão que, sem realizar uma análise aprofundada do mérito, reconhece provada a materialidade do crime e a existência de indícios suficientes de autoria. Trata-se, portanto, de um juízo de admissibilidade para submeter um crime doloso contra a vida, como é o caso do homicídio, à apreciação do júri popular.
Apelidado por Bigode, Cícero Santana Júnior é o acusado que admitiu ter participado do assassinato do papiloscopista do 7º DP de Santos, João Ferreira de Moura Júnior, de 48 anos. Na madrugada de 28 de fevereiro de 2018, o policial civil foi atingido com um tiro na testa e outro que se alojou entre o ombro direito e o peito, na Rua Professor Celso da Cunha Alves, no Jabaquara. Dois dias depois, a vítima faleceu na Santa Casa de Santos.
Júnior foi encontrado baleado dentro do seu veículo. Momentos antes, ele havia saído da casa da namorada, no Morro São Bento, localizada nas imediações. Em interrogatório, Bigode disse que a intenção era roubar a arma da vítima, admitindo ter ciência da sua condição de policial. O réu alegou que o papiloscopista foi baleado porque reagiu.
O Ministério Público (MP) aceita com reserva tal versão. Há informações de que o crime organizado determinou o atentado contra um agente público de segurança, porque dias antes, durante operação da Polícia Militar no Morro São Bento, um marginal foi baleado em troca de tiros. Bigode negou ter agido a mando de traficantes e disse que foi cobrado por cometer o delito sem ordem da facção que controla a venda de drogas na área.
De acordo com a decisão da juíza, Bigode deverá aguardar ao julgamento preso, porque não houve qualquer fato a justificar a revogação de sua preventiva. A data da sessão ainda será definida. O MP quer a condenação do réu por homicídio qualificado pelo motivo torpe, pelo emprego que impossibilitou a defesa da vítima e pelo fato de o crime ter sido cometido em decorrência da função por ela exercida.
Como houve o envolvimento de um adolescente na morte do papiloscopista, o acusado confesso ainda será julgado pelo crime conexo de corrupção de menor. Além de Bigode e dos quatro acusados que não irão a júri, a ação penal tem mais dois réus. Como esta dupla permanece foragida, o processo em relação a ela encontra-se suspenso.
O advogado Eduardo Dias Durante (na foto) defende um dos acusados que se livrou do júri pela falta de indícios suficientes de autoria.
Durante o processo, com o direito à ampla defesa e ao contraditório, demonstramos que nada de concreto existe contra o nosso cliente. Houve apenas uma mera fumaça, decorrente da informação de suposta testemunha que nunca apareceu. O que ela teria dito apenas foi válido para deflagrar a investigação, mas sem evoluir o necessário para comprovar algo em desfavor dele”, destacou o defensor.
“Nem mesmo a liderança do tráfico pelos acusados (impronunciados) ficou demonstrada para amparar o depoimento secreto, ponto de partida das investigações”, destacou a magistrada. Segundo a juíza, toda a apuração realizada pela Polícia Civil se concentrou em uma pessoa que insistiu em ter a identidade preservada com medo de represálias, mas a versão dela não foi confirmada por outras provas.