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25/06/2020

Serial killer da peruca, dentista vai a júri por 3 homicídios consumados e 2 tentados

Por Eduardo Velozo Fuccia

Os psiquiatras divergem. Dois diagnosticaram esquizofrenia paranoide no dentista Flávio Nascimento Graça, de 40 anos, e outro o considerou mentalmente sadio. Diante da dúvida dos especialistas, caberá a sete jurados decidir se Flávio deve ser condenado ou absolvido por executar três pessoas e tentar matar a tiros outras duas.

Os crimes ocorreram em Santos (SP) entre de 23 de dezembro de 2014 e 23 de setembro de 2015. As cinco vítimas tinham ligação com a Clínica Odontológica Americana, que encerrou as atividades após três ataques em série. Quatro delas são da mesma família. Em todas as investidas, o atirador, até então desconhecido, agiu disfarçado com peruca.

As diversas facetas do dentista Flávio Graça

O consultório de Flávio era vizinho de duas filiais da Clínica Americana e faliu. A Polícia Civil apurou que o réu atribuía o seu declínio profissional à ascensão do concorrente. Segundo as investigações, esse sentimento motivou o acusado a se vingar. A sua captura aconteceu apenas no dia 29 de novembro de 2018.

De acordo com a denúncia do Ministério Público (MP), os crimes foram qualificados pelo motivo torpe, caracterizado pela vingança, e pelo emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas, alvos de emboscadas. Pelos três homicídios consumados e dois tentados, se for condenado, o réu está sujeito a pena de 44 a 130 anos de reclusão.

Decisão de pronúncia

A juíza Lívia Maria de Oliveira Costa, da Vara do Júri de Santos, pronunciou o réu no último dia 18. Nesta decisão não é feito o exame do mérito. Apenas se verifica a comprovação da materialidade do crime e a existência de indícios suficientes de autoria. Preenchidos estes requisitos, cabe ao tribunal do júri julgar o acusado.

“Havendo laudos divergentes acerca da capacidade de entendimento e determinação do acusado à época dos crimes, a dúvida razoável deve ser sanada pelo tribunal do júri, o qual analisará ampla e detidamente as provas e os argumentos que embasam as teses acusatória e defensiva”, fundamentou a juíza.

O advogado Eugênio Malavasi interpôs recurso em sentido estrito ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Alegou que, devido a doença mental, Flávio é inimputável (não pode responder criminalmente pelos seus atos) e deve ser submetido a medida de segurança consistente em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

O promotor Geraldo Márcio Gonçalves Mendes e o advogado Ricardo Ponzetto, constituído pela família das vítimas para atuar no processo como assistente da acusação, acreditam que o TJ-SP mantenha a decisão da juíza. Segundo eles, o dentista é plenamente capaz e deve sentar no banco dos réus.

Dois médicos da Seção de Apoio Administrativo à Área de Psiquiatria Forense de Santos atestaram que Flávio, “por sua doença mental, era parcialmente incapaz de entendimento e totalmente de determinação, salvo melhor juízo”. Eles diagnosticaram “esquizofrenia paranoide”.

Estudo de um psiquiatra do Centro de Apoio Operacional à Execução, do MP, considerou “completamente imprecisas as afirmações do exame mental do laudo pericial”. De acordo com o parecer, Flávio é imputável porque apresentou “discurso organizado”, não demonstrou alterações de humor e se mostrou orientado no tempo e espaço.

O julgamento do recurso em sentido estrito deve demorar, pelo menos, um ano. Enquanto ele não for julgado, o júri popular não poderá ser marcado. O réu está na Penitenciária II de Tremembé por força de prisão preventiva. Ele continuará encarcerado, porque a magistrada lhe negou a possibilidade de recorrer em liberdade.

A captura do Maníaco da Peruca, como o réu ficou conhecido, só ocorreu quase quatro anos após o primeiro ataque da série

MP contra mordaça na imprensa

Malavasi requereu à Vara do Júri de Santos a decretação do segredo do processo. Segundo ele, embora a regra geral seja a da publicidade dos atos processuais, o sigilo da ação penal evitaria que a divulgação do quadro clínico do dentista e de outros dados cause “escândalo” e “inconveniente grave” ao réu e à sua família.

O Artigo 792, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal, prevê as exceções apontadas por Malavasi, cujo requerimento ainda será apreciado. O promotor de justiça substituto Matheus Felipe Bassan de Medeiros já se manifestou no processo contra o pedido da decretação de sigilo e espancou os argumentos da defesa.

“Impossível concordar”, enfatizou o representante do Ministério Público (MP). “O direito à publicidade se sobrepõe ao direito à intimidade do acusado, mormente porque, como já discutido à exaustão, o laudo psiquiátrico retrata a tentativa de o acusado forjar sua inimputabilidade, não refletindo a verdade dos fatos”, justificou.

Medeiros acrescentou que “também não se contesta que os crimes causaram incomensurável comoção na sociedade santista, que, por meses, viu-se ameaçada pelo acusado e, assim sendo, possui o direito de ter acesso às informações constantes no processo, o qual perfaz verdadeira prestação de contas da Justiça”.

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