TJ-SP julga lícito garoto de programa cobrar cliente devedor por serviços sexuais
Por Eduardo Velozo Fuccia
Um garoto de programa poderá cobrar em juízo pelos serviços sexuais combinados verbalmente e prestados a um cliente, conforme decidiu por unanimidade a 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em primeira instância, a petição inicial do contratado havia sido indeferida, sendo prolatada sentença de extinção de ação sem resolução do mérito.
“Permitir o acesso à Justiça é respeitar a dignidade sexual, a soberania sobre o próprio corpo e a livre autonomia no ato de contratar”, fundamentou o desembargador Morais Pucci, relator do recurso de apelação interposto pelo garoto de programa. O seu voto foi seguido pelos desembargadores Flavio Abramovici e Gilson Delgado Miranda.
O colegiado determinou o afastamento da sentença da 3ª Vara Cível de Botucatu, município distante 235 quilômetros de São Paulo. O juízo de primeiro grau entendeu que a ação não poderia prosperar porque o negócio jurídico (contrato sexual verbal), para ser válido, deve observar a licitude do objeto, não vedado legalmente e nem ofensivo aos bons costumes e à moral.
“Atualmente, com a evolução da sociedade contemporânea, que está em constante transformação de seus valores, a atividade de prestação de serviços sexuais tem se integrado à realidade atual”, observou Pucci. Feita esta análise, ele afastou a pretensa ofensividade à moral e aos bons costumes apontada na sentença.
O relator também destacou que a prostituição em si não é crime e, portanto, o contrato verbal de prestação de serviço também não é ilícito. Ele assinalou que a atividade de trabalhador do sexo, embora não seja regulamentada, aparece sob o nº 5.198 na listagem da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego, como categoria profissional, refletindo “mudança na mentalidade dominante”.
“A Justiça, que não deve fechar os olhos à evolução da sociedade, precisa estar atenta a suas transformações. Não se pode negar tutela jurídica àquele que busca amparo do Estado, cobrando o valor ajustado de quem se aproveitou de seus serviços de cunho sexual, livremente contratados”, concluiu Pucci.
Anulada a sentença, a petição inicial do garoto de programa será recebida e a ação seguirá o seu curso natural com a designação de audiência de conciliação ou de mediação. Na hipótese de não haver composição amigável entre as partes, o réu contratante, por meio de seu advogado, terá 15 dias para apresentar a sua resposta quanto aos fatos alegados pelo contratado.
O autor da ação alega que foi contratado para os serviços sexuais em 22 de agosto de 2020. Embora o acordo tenha sido verbal, prints de diálogos entre ele e o contratante pelo WhatsApp foram juntados como provas. O garoto de programa cobra do réu o pagamento de R$ 15.935,90, acrescidos de juros de mora e correção monetária.