Condenada e foragida, rainha do tráfico internacional ganha prisão domiciliar
Por Eduardo Velozo Fuccia
Foragida desde que ganhou da Polícia Federal (PF) o status de chefe do tráfico do drogas no Porto de Santos, Karine de Oliveira Campos foi beneficiada com prisão domiciliar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela está condenada a 17 anos e dois meses de reclusão pelo envio de toneladas de cocaína à Europa, mas nunca foi capturada por este processo.
Em decisão monocrática em agravo regimental em habeas corpus, 0 ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acolheu pedido de Gustavo Machado Soares, sócio do escritório Machado e Rodrigues Advogados, para reconsiderar decisão anterior sua e conceder a domiciliar. A decisão é do dia 2 de agosto.
A defesa de Karine sustentou que ela é mãe de um menino de 8 anos e de uma garota de 5, sendo o direito à prisão domiciliar ainda mais evidente porque o pai das crianças é réu na mesma ação penal e teve a preventiva decretada. Condenado a 15 anos, dois meses e dez dias de reclusão, Marcelo Mendes Ferreira também está foragido.
Segundo Palheiro, a quantidade de droga apreendida e o fato de a ré estar foragida não são fundamentos suficientes para justificar a preventiva e afastar a incidência do Artigo 318, V, do Código de Processo Penal (CPP), “pois não há notícia de emprego de violência ou grave ameaça nem prática do delito pela ora agravante contra a sua descendência”.
Além de citar a ré como a única responsável pelos filhos, a defesa apontou suposta falta de contemporaneidade do decreto de prisão com os fatos que o embasou em 2018. “Ao condenar a paciente, o magistrado de primeiro grau não determinou a prisão preventiva por fatos novos, mas apenas manteve a segregação já ordenada”, frisou o advogado.
Por fim, Gustavo Soares apontou a ausência de decisão fundamentada para descartar a eventual aplicação de medidas cautelares substitutivas ao cárcere. Conforme o Artigo 318, V, do CPP, “poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos”.
Sentença e habeas corpus
O juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos, condenou Karine, Marcelo e mais três homens em 23 de setembro de 2020. Ela recebeu a pena mais alta por liderar, em patamar acima ao do companheiro, “grupo criminoso financeiramente poderoso, tendo por atividade principal o tráfico internacional de cocaína”.
Lemos negou aos condenados o direito de recorrer em liberdade, mantendo a prisão de todos. Os réus apelaram ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e o recurso ainda não foi apreciado. O advogado de Karine também impetrou habeas corpus nesta corte para a preventiva dela ser substituída por domiciliar, mas o pedido foi negado.
“No caso dos autos, a gravidade concreta da conduta imputada à paciente, evidenciada pela grande quantidade de entorpecente envolvida no esquema criminoso, aliada à possibilidade de fuga e reiteração delitiva, recomendam a manutenção da prisão preventiva”, decidiu o TRF3.
Ainda conforme o TRF3, “acusada está foragida desde a decretação da sua prisão temporária (depois convertida em preventiva), o que demonstra risco à instrução criminal, à aplicação da lei penal e também justifica o indeferimento da medida”. Com o pedido negado, a defesa de Karine pleiteou a domiciliar no STJ.
Palheiro não vislumbrou ilegalidade na decretação da preventiva, “uma vez que estão presentes os requisitos para a segregação cautelar, em especial a gravidade concreta da conduta, consistente na prática, em tese, de tráfico de drogas e associação criminosa”. No entanto, ele considerou “patente ilegalidade” se negar a prisão domiciliar à ré.
“Mantê-la (Karine) segregada constitui-se, portanto, em constrangimento ilegal contra os infantes presumidamente desassistidos sem a presença física da mãe. Portanto, a acusada faz jus à prisão domiciliar, uma vez que a sua negativa decorre tão somente da quantidade de droga apreendida e o fato de estar foragida”, justificou o ministro.
Casal Busca-pó
Em alusão à parceria voltada ao tráfico internacional de cocaína, Karine e Marcelo são conhecidos como o Casal Busca-pó. Há uma década, eles foram presos por tráfico na Bahia, mas só ficaram seis meses na cadeia. Naquela época, o dueto unido pelo amor e pelo crime chefiava uma quadrilha nas cidades baianas de Camaçari e Alagoinhas.
O tempo passou e os negócios ilícitos do casal avançaram além do Atlântico. Para tanto, se valiam de navios que zarpavam de alguns portos brasileiros, entre os quais o de Santos. Por meio da Operação Alba Vírus (do latim, veneno branco), a PF desmantelou o esquema responsável pelo envio de mais de seis toneladas de cocaína para a Europa.
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o grupo por tráfico e associação para o tráfico, atribuindo-lhe sete “eventos” – denominação de cada operação de tráfico internacional descoberta pela PF. No principal deles, em duas casas situadas em Guarujá, nos dias 20 e 21 de fevereiro de 2019, havia 1.343 quilos de cocaína.
Nos imóveis também foram apreendidos um fuzil, cinco pistolas, 21 celulares, documentos, a quantia de R$ 1.020.650,00 e materiais usados para preparar e embalar drogas. Nos aparelhos havia diversos arquivos de vídeos que incriminam os acusados e revelam vultosas remessas de cocaína ao exterior.
As filmagens mostram alguns réus participando da ocultação da droga em cargas lícitas a serem embarcadas em navios. Segundo a PF, os vídeos serviam de “prova” aos líderes da organização e a importadores do entorpecente de que o esquema foi executado de acordo com o planejado.
Para lavar o dinheiro do tráfico internacional, Karine e Marcelo compraram caminhões e carros de luxo, montaram duas empresas de logística e adquiriram fazenda por R$ 12 milhões e outros imóveis. Com indícios de serem proveito da venda de cocaína, joias e relógios avaliados em R$ 1.760.380,00 foram apreendidos em endereços do casal.
O juiz federal Roberto Lemos decretou na sentença a perda, em favor da União, dos bens e do dinheiro apreendidos. Antes do ajuizamento da ação penal, a PF deflagrou megaoperação no dia 28 de agosto de 2019 para cumprir mandados de busca e apreensão e de prisão de investigados na Alba Vírus. Karine e Marcelo não foram encontrados.
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