Após absolvição por estupro, diretor de escola enfrenta ‘torre de babel’ ministerial
Por Eduardo Velozo Fuccia
Após enfrentar por mais de sete anos uma acusação de pedofilia contra uma menina com idade inferior a 14 anos, no banheiro feminino de uma escola municipal de São Vicente, o então diretor do estabelecimento de ensino foi absolvido pela Justiça por insuficiência de provas. Porém, apesar da decisão favorável, ele ainda se viu ameaçado de eventual recurso do Ministério Público (MP), que havia requerido a sua absolvição.
A torre de babel ministerial, no entanto, foi demolida pelo juiz Alexandre Torres de Aguiar, da 1ª Vara Criminal de São Vicente. Ele não admitiu o recurso de apelação interposto pelo promotor Marcelo Perez Locatelli, o mesmo que ofereceu a denúncia contra o diretor de escola, porque o promotor Rafael de Paula Albino Veiga se manifestou pela absolvição do réu ao apresentar as alegações finais do processo.
“Com efeito, o órgão ministerial requereu, em memoriais, a absolvição do acusado. Acolhendo a tese do Ministério Público, bem como da Defesa, foi proferida sentença absolutória. Assim, inexistindo sucumbência (rejeição do pedido), pressuposto de admissibilidade, ainda que existente a independência funcional dos membros do MP, não admito o recurso interposto”, decidiu Aguiar.
De acordo com o juiz, a independência funcional dos promotores não se sobrepõe aos “princípios da unidade e indivisibilidade do Órgão Ministerial”. O magistrado, inclusive, embasou a sua decisão com recente julgado, da 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre situação parecida. Tornada definitiva a absolvição, o réu tenta agora reconstruir a sua vida.
Aluna da escola, localizada na área continental de São Vicente, a suposta vítima contou para a mãe, em casa, que o diretor da unidade entrou no banheiro feminino e a tocou nas partes íntimas. O ato libidinoso teria ocorrido no dia 31 de maio de 2010, no horário de aula. O acusado foi denunciado por estupro de vulnerável, cuja pena varia de 12 anos a 22 anos e seis meses de reclusão, devido à autoridade que o homem tinha sobre a menina.
Após ouvir o relato da filha, a mãe se dirigiu à escola para conversar com o diretor. Ele tomou a iniciativa de acionar a Polícia Militar e forneceu o computador com as imagens de câmeras instaladas na escola, que são acessadas pela empresa terceirizada da segurança e pela Secretaria de Educação. Casado com uma professora do mesmo estabelecimento e pai, o acusado foi afastado do cargo de diretor.
Excetuando a palavra da garota, que acusou o diretor, nenhuma outra prova contra ele foi produzida. O réu sempre negou o relato da menina e várias testemunhas, de diversos cargos na escola, disseram que não o viram entrar no banheiro feminino. Elas ainda afirmaram desconhecer qualquer fato que o desabone e tiveram os seus depoimentos confirmados pelo laudo pericial das imagens das câmeras.
Uma das câmeras fica direcionada à porta do banheiro feminino. Segundo o resultado da perícia, das 13 horas às 17h57 de 31 de maio de 2010, quando teria ocorrido o suposto estupro, o equipamento não registrou a entrada no local do diretor ou de qualquer outra pessoa adulta do sexo masculino. O laudo também concluiu que a gravação não sofreu qualquer tipo de edição.
“A palavra da vítima carece de veracidade, haja vista que foi de encontro com a conclusão dos laudos e com os depoimentos das testemunhas que estavam no pátio. Os fatos narrados pela menor nos trouxeram a triste lembrança da Escola Base, na cidade de São Paulo, em 1994, o qual entrou para a série de julgamentos históricos do Brasil”, destacou o advogado William Cláudio Oliveira dos Santos, ao requerer a absolvição do cliente.
No episódio da Escola Base, um casal dono de uma escola infantil foi injustamente acusado de abusar sexualmente de alunos e teve a sua vida social e empresarial destruída. Nada se provou contra ele, que ganhou ações judiciais de indenização por dano moral por ter sido exposto, sem ficar demonstrada qualquer culpa. O caso revelou uma sucessão de erros envolvendo Polícia Civil, MP, Judiciário e imprensa.
O próprio MP, por meio do promotor Rafael Veiga, também reconheceu a fragilidade das provas para condenar o diretor, manifestando-se pela sua absolvição. Os requerimentos da acusação e defesa foram acolhidos pelo juiz Alexandre Aguiar, ao julgar a ação improcedente. Segundo o magistrado, uma condenação exige “certeza ampla”, inexistente no processo.
Aguiar destacou que a palavra da vítima em crimes contra a dignidade sexual tem valor probatório relevante, mas que não é absoluto. “Assim, nem toda palavra de vítima é bastante e suficiente, por si só e a despeito de quaisquer considerações que a possam invalidar ou comprometer, para o embasamento de solução condenatória ao processo penal”, fundamentou o juiz.
Durante o processo, uma testemunha cogitou a hipótese, não confirmada, mas que também não foi descartada, de a grave acusação contra o réu ter motivação política, em razão de ele ter sido indicado ao cargo de diretor da escola por uma vereadora. O acusado declarou em juízo que, de fato, houve manifestações de pais de alunos contra a sua indicação, devido a questões políticas, mas elas teriam sido superadas.