Boneca de pano é pivô de disputa judicial entre estilista famosa e artesã
Por Eduardo Velozo Fuccia
Ela já vestiu Beyoncé e Claudia Leitte, entre outras inúmeras artistas e personalidades. Empresária da moda e estilista, Martha Regina Santos Costa Medeiros se projetou de Maceió para o mundo com os seus modelos de renda produzida com exclusividade para ela por mais de 450 artesãs de comunidades do Nordeste.
Porém, um dos modelos que Martha Medeiros lançou não era de sua autoria. Ele foi copiado de uma boneca criada pela artesã paulista Farida Rosângela Trindade, conforme reconheceu o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ao condenar a estilista por danos moral e material, além de lhe impor o dever de se retratar publicamente na mídia.
Por unanimidade, os desembargadores Edson Luiz de Queiroz, Angela Lopes e Piva Rodrigues, da 9ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, fixaram a indenização de dano moral em R$ 20 mil, mantendo o valor originariamente arbitrado na sentença da juíza Carolina de Figueiredo Dorlhiac Nogueira, da 38ª Vara Cível de São Paulo.
Em relação ao dano material, o colegiado elevou a quantia de R$ 23 mil imposta pela magistrada para R$ 690 mil. O significativo aumento decorreu da aplicação da regra do Artigo 103 da Lei 9.610/1998, sobre direitos autorais, que prevê o ressarcimento de três mil exemplares (bonecas), quando não se conhece a extensão da edição fraudulenta.
O pedido da artesã para que a estilista se retrate nos veículos de comunicação nos quais ela apareceu como criadora da boneca copiada foi negado pela juíza, sob o fundamento de que os órgãos de imprensa “não fazem parte do presente feito e o evento em questão não é mais assunto na mídia especializada”.
Contudo, ao apreciar recurso de apelação interposto por Paulo Roberto Demarchi, advogado de Farida, o TJ-SP também reformou esta parte da sentença, obrigando Martha Medeiros a se retratar, divulgando a verdadeira autora da obra, em igual meio de comunicação, sob pena de multa diária de R$ 1 mil, até o limite de R$ 100 mil.
“Foi feita justiça ao caso concreto. O acordão da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal aplicou corretamente a lei, reconhecendo os direitos da obra à sua verdadeira autora, a despeito de a responsável pela contrafação ser pessoa influente e de renome social”, declarou Demarchi.
Criação e registro
Farida Trindade possui ateliê de confecção de bonecas de pano e das respectivas roupas. Em 2014, a artesã criou a Isadoll (fusão do nome da filha Isadora e doll, boneca em inglês). A obra artística foi registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia.
Em julho de 2015, Farida recebeu ligação de Martha Medeiros. Segundo ela, a ré lhe propôs a venda de exemplares de Isadoll, porque os exibiriam em evento da qual participaria como estilista. De acordo com a empresária, ela precisaria de 100 bonecas, mas a negociação não prosperou.
A artesã disse que a marca Isadoll Decor deveria constar, por meio de carimbo, no corpo da boneca, e de etiqueta, na parte interna das roupas de cada exemplar, em razão dos direitos autorais. Martha não aceitou a exigência, mas mesmo assim encomendou seis exemplares, que foram enviados pela artesã pelos Correios.
Meses depois, Farida foi surpreendida com notícias em revistas de circulação nacional nas quais a estilista figurava como a criadora da boneca. Conforme a juíza Carolina Nogueira, o registro de Isadoll no INPI confere direito à exclusividade no uso da obra e os e-mails entre a artesã e a estilista evidenciam que esta sabia da proteção à marca.
“A ré apresentou-se socialmente como criadora das bonecas da autora […], restando evidente usurpação e violação ao direito da autora, vez que, desde o início, a ré tentou exigir que as bonecas fossem enviadas sem identificação, justamente para facilitar a divulgação de obra artística em nome próprio”, frisou Edson Luiz de Queiroz.
Relator da apelação, o desembargador afirmou ser “cristalina a ocorrência de contrafação das bonecas Isadoll, sem autorização da autora”. Ele observou que Martha Medeiros, apesar de invocar o seu reconhecimento nacional e internacional, premiada por vestir a famosa boneca Barbie, já foi condenada por dano moral ao violar direito autoral.