Câmara invade atribuição de prefeito e lei sobre dengue é julgada inconstitucional
Por Eduardo Velozo Fuccia
Por exceder limites da Constituição Federal no tocante à separação dos poderes e afrontar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidada no Tema nº 917, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) declarou inconstitucional a Lei 4.384/2017, de autoria da Câmara de Guarujá. A legislação municipal impunha ao Executivo providências administrativas destinadas à prevenção da proliferação dos mosquitos vetores da dengue, zika e chikungunya.
“Reconheço a utilidade das medidas postas no diploma legal, contudo, na esteira de jurisprudência massificada do colendo Supremo Tribunal Federal, ela resvala, por sua iniciativa parlamentar, tanto na separação dos poderes quanto na reserva de iniciativa legislativa do chefe da Administração”, observou o desembargador Roberto Solimene. Relator da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pelo prefeito Válter Suman, o julgador teve o seu voto seguido pelos demais 24 integrantes do colegiado.
A lei questionada dispõe sobre a obrigatoriedade de inclusão, em repartições públicas municipais, de agente de segurança para prevenir zika, dengue e chikungunya. No curso da ADI, ao defender a manutenção da legislação, a Câmara argumentou ela contribuiu para a implementação de políticas públicas de promoção do bem-estar da comunidade. Já a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) se manifestou pela procedência da ação.
Entre as imposições da lei, conforme o artigo 1º, está “a obrigatoriedade de o município manter em seus próprios públicos um servidor lotado na respectiva secretaria onde o prédio estiver empenhado, para fiscalizar os focos dos mosquitos vetores da dengue, zika e chikungunya”. Conforme os artigos 2º e 3º, deve o servidor “realizar vistorias diárias no prédio para evitar a proliferação dos vetores” e elaborar relatórios semanais “para viabilizar o melhor trabalho dos agentes de saúde no ato das vistorias casa a casa”.
De acordo com Solimene, os vereadores têm a prerrogativa de introduzir na legislação municipal regras que versem sobre políticas públicas, especialmente na área da saúde. Porém, o relator ressalvou que elas não podem invadir o rol de iniciativas separadas para o prefeito. No caso em análise, o julgador apontou que a Lei 4.384/2017 atribui imposições à estrutura da Administração municipal, para alguns dos seus órgãos, em desacordo com o Tema nº 917 do STF.
A tese desse tema diz que “não usurpa competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (artigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alíneas ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal)”.
Na conclusão de seu voto, o relator afirmou que a lei da Câmara de Guarujá, apesar de inspirada pelas melhores intenções, “excedeu os limites constitucionais em relação a dispositivos que efetivamente ingressaram no campo da reserva da Administração”. Essa extrapolação decorreu do fato de o Legislativo regular “tema próprio de organização administrativa e com diretos reflexos em face dos quadros funcionais da rede municipal de saúde”.
Foto: jcomp no Freepik
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