Ex-promotor condenado por homicídio se livra da pena com a prescrição do crime
Por Eduardo Velozo Fuccia
Condenado a nove anos de reclusão em regime inicial fechado por um homicídio simples consumado e outro tentado, o ex-promotor de justiça Thales Ferri Schoedl não terá o seu recurso de apelação apreciado e nem cumprirá a pena. Em decisão tomada na segunda-feira (16), o juiz Arthur Abbade Tronco declarou extinta a punibilidade do réu em razão da prescrição da pretensão punitiva. O crime ocorreu em 30 de dezembro de 2004.
Sob a presidência do juiz Victor Patutti Godoy, o júri que condenou Thales aconteceu no Fórum de Bertioga no último dia 3 de junho, quase duas décadas após ele ter matado o jogador de basquete Diego Mendes Modanez, de 20 anos, e baleado quatro vezes um estudante de Direito, com 21, na época. O crime ocorreu durante luau na Riviera de São Lourenço – condomínio de luxo nessa cidade do litoral paulista.
A defesa sustentou na apelação que o julgamento deveria ser anulado, porque a decisão dos jurados foi manifestamente contrária às provas dos autos, “sempre contundente no sentido da legítima defesa”. Porém, preliminarmente, os advogados apontaram a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, devido ao lapso entre o recebimento da denúncia (16/2/2005) e a publicação da decisão de pronúncia (01/8/2022).
Conforme os defensores, com esse intervalo de tempo (17 anos, cinco meses e 16 dias), o homicídio prescreveu em 12 anos, considerando a pena fixada em nove anos. Já o prazo prescricional da tentativa de homicídio, sancionada com três anos, se completou com o decurso de oito anos. “Deve ser reconhecida, assim, a prescrição intercorrente, também chamada de posterior ou superveniente à sentença condenatória”.
Diz o artigo 110, parágrafo 1º, do Código Penal: “A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”. Como Ministério Público não apelou, na hipótese de novo júri e outra condenação, não poderiam ser aplicadas penas maiores.
Diante do trânsito em julgado para a acusação, a promotora Joicy Fernandes Romano concordou com o cálculo apresentado pela defesa e se manifestou pelo reconhecimento da prescrição retroativa de pretensão estatal, “considerada a pena concretamente aplicada e a absoluta impossibilidade de reformatio in pejus indireta”. Por se tratar de matéria pública, ela opinou ser desnecessário remeter os autos à instância superior.
Ao contrário da promotora, o assistente da acusação, advogado Pedro Lazarini Neto, apresentou contrarrazões, alegando que o recurso defensivo foi interposto além do prazo legal de cinco dias. Para tanto, sustentou que os advogados do réu saíram intimados do veredicto condenatório na própria data do júri (3/6), conforme a ata da sessão, e interpuseram a apelação no dia 11 de junho, segundo o protocolo na margem da petição.
“No processo penal, além de não haver prazos em dias úteis (mas sim em dias corridos), a contagem do prazo se inicia com o ato em si (seja ele de citação, intimação ou publicação)”, argumentou Lazarini. Porém, tal fato sequer foi analisado pelo juiz Tronco: “O recurso está prejudicado diante da prescrição da pretensão punitiva”. A defesa de Thales foi exercida pelo escritório do advogado Ronaldo Augusto Bretas Marzagão.
49 dias preso
Thales portava uma pistola calibre 380 no momento do crime. Segundo ele, as vítimas e outros rapazes chamaram a sua namorada de “gostosa” e tentaram agredi-lo ao serem advertidos, motivando-a disparar. Autuado em flagrante, o então promotor ficou 49 dias preso no Regimento de Cavalaria Nove de Julho, em São Paulo, até ser beneficiado com liberdade provisória pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
De acordo com o universitário baleado, ele e a vítima fatal apenas pediam calma para o réu quando ele atirou. Ao receber a denúncia contra Thales, o Órgão Especial afastou a qualificadora do motivo fútil, retirando o caráter hediondo do crime. Posteriormente, em sessão ocorrida em 23 de novembro de 2008, o OE absolveu o réu. Por 23 votos a 0, o colegiado entendeu que ele agiu em legítima defesa.
O julgamento pelo OE aconteceu porque, na época, Thales ainda gozava de foro especial por prerrogativa de função. Em estágio probatório, ele acabou sendo desligado do cargo pelo Ministério Público, que interpôs recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF). Em decisão do dia 26 de março de 2018, o ministro Dias Toffoli anulou a decisão do Órgão Especial, reconhecendo a competência do júri para o caso.
A defesa de Thales apresentou agravo regimental, que foi negado, mas o STF levou mais de dois anos para apreciá-lo. Com os autos de volta à comarca de Bertioga, o juízo de primeiro grau decidiu submeter o réu a júri popular por existirem indícios suficientes de autoria. Os defensores interpuseram recurso em sentido estrito e a 12ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP negou provimento, confirmando a pronúncia.
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