Excesso de prazo coloca na rua 27 réus de processo de narcotráfico internacional
Por Eduardo Velozo Fuccia
“Privar da liberdade, por tempo desproporcional, pessoa cuja responsabilidade penal não veio a ser declarada em definitivo viola o princípio da não culpabilidade”. A observação é do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao conceder liminar em habeas corpus a um homem processado por tráfico internacional de drogas e que estava preso preventivamente há mais de sete meses, sem que tivesse sido sequer interrogado. Após essa decisão, mais 26 réus da mesma ação penal foram soltos.
O advogado Felipe Fontes dos Reis Costa Pires de Campos requereu ao juiz Roberto Fernandes Júnior, da 1ª Vara Federal de Joinville (SC), a extensão dos efeitos da liminar a cinco clientes seus, moradores na Baixada Santista, que também respondem ao processo. Além de deferir o pedido, o magistrado contemplou outros 21 acusados, porque o Artigo 580 do Código de Processo Penal prevê esse alcance se a decisão benéfica a um dos réus se basear em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal.
Pires de Campos nada comentou porque o processo está sob segredo de Justiça, mas o Vade News apurou que o réu solto pela decisão de Marco Aurélio é considerado um dos cabeças da organização criminosa investigada. Ela usava o Porto de Itapoá (SC) para remeter à Europa cocaína boliviana. O esquema foi desmantelado pela Polícia Federal (PF) durante a Operação Contentor. Os narcotraficantes passaram a utilizar esse terminal portuário devido ao aumento da repressão em outros portos, como o de Santos.
Na decisão que soltou um dos supostos líderes da quadrilha, o ministro do STF reconheceu o cabimento da prisão cautelar dele e dos corréus. “A gradação do tráfico de entorpecentes, considerada a quantidade de substância apreendida – mais de duas toneladas de cocaína – e o modo de agir dos criminosos – introdução clandestina de drogas em contêineres com destino à Europa –, revela estar em jogo a preservação da ordem pública”.
No caso específico do acusado que impetrou o habeas corpus, Marco Aurélio ainda reconheceu como outros fatores justificadores da prisão “fortes indícios” do seu envolvimento em “grupo bem estruturado e voltado ao comércio transnacional de drogas”, reveladores de “periculosidade”. No entanto, o ministro ressalvou que isso não justifica o prazo processual se exceder, por representar execução antecipada de pena, sem que haja sentença condenatória, ignorando-se garantia constitucional.
A Operação Contentor tem 37 réus (27 respondiam à ação presos e agora foram soltos). O juiz Roberto Fernandes Júnior designou para os próximos dias 4 e 5 de julho as datas dos seus interrogatórios, na 1ª Vara Federal de Joinville. Por estar em liberdade, na hipótese de eventual condenação, em tese, o grupo poderá apelar solto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), a menos que fato novo justifique outra vez a decretação de sua prisão preventiva.
Iniciada no final de 2016, a Contentor propiciou cinco grandes apreensões de cocaína, no País e na Bélgica, que totalizaram cerca de duas toneladas. A PF apurou que a droga vinha da Bolívia e ingressava no Brasil em aviões bimotores. A pista do aeroclube de São Francisco do Sul (SC) era usada nessa rota. Depois, o entorpecente era levado para chácaras e acondicionado em malas, colocadas clandestinamente em contêineres a serem embarcados em navios.
Após identificar a maior parte da organização criminosa, a PF deflagrou operação no dia 10 de outubro de 2017 para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão em Santa Catarina, São Paulo, Pernambuco, Paraíba e Rio de Janeiro. No Estado, as ações antitráfico ocorreram em Santos e na Capital. Nos locais vistoriados foram recolhidos veículos de luxo, armas, dois quilos de cocaína, documentos que evidenciam vultoso patrimônio dos investigados e dinheiro (R$ 10 mil, US$ 98 mil e 13 mil euros).