EXCLUSIVO: Corrupção no Porto de Santos leva 11 ao banco dos réus
Por Eduardo Velozo Fuccia
A Justiça Federal recebeu denúncia contra 11 pessoas acusadas de participar de um esquema que lesou os cofres públicos a partir de um contrato celebrado entre a Santos Port Authority (SPA), nome da Autoridade Portuária de Santos, antiga Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), e a empresa Vert. O Ministério Público Federal (MPF) estima prejuízo de R$ 2,7 milhões.
Oito réus têm ligação com a Codesp e três estão relacionados à Vert. Todos foram denunciados por peculato, porque teriam desviado valores consistentes em pagamentos por serviços não realizados e remuneração de terceiros, na condição de funcionários públicos. Esta qualidade de caráter pessoal (funcionário público) se comunica ao trio da empresa privada porque se trata de elementar do crime.
De acordo com a acusação formal de 54 laudas assinada pelo procurador da República Thiago Lacerda Nobre e oferecida na última quarta-feira (14), os réus ligados à empresa pública, que é vinculada ao Ministério da Infraestrutura, também devem ser processados por fraudar licitação da Codesp para beneficiar a Vert e obter vantagem para si. A denúncia foi recebida pela 5ª Vara Federal de Santos na sexta-feira (16).
“Há justa causa que autoriza o início da ação penal, porquanto os elementos informativos obtidos no curso do inquérito policial demonstram fatos que, em tese, constituem crime e apontam indícios suficientes de autoria”, despachou o juiz federal Roberto Lemos dos Santos Filho, ao receber a denúncia. Os réus agora serão citados (chamados ao processo) para que apresentem resposta à acusação por escrito no prazo de até dez dias.
Ponta de iceberg
Os fatos apurados nesta ação penal constituem apenas um de vários esquemas de corrupção desarticulados pela Operação Tritão, da Polícia Federal (PF), no maior porto do País. Conforme o MPF, as negociatas envolvem diversos servidores públicos e empresários, notadamente com relação a licitações e contratos firmados nos anos de 2013 a 2016, dentre eles a dragagem do canal do Porto de Santos.
O estopim para as investigações da PF foi um vídeo vazado na internet em setembro de 2016. Na gravação, Carlos Antônio de Souza, o Carlinhos, então assessor de José Alex Botelho de Oliva (presidente da Codesp na época), revelava a seu interlocutor – depois identificado como Ulisses Stanoga de Moraes – a realização de diversas fraudes no âmbito da estatal, que resultaria em prejuízo de milhões de reais.
A Tritão contou com o trabalho de outros órgãos além da PF, tais como MPF, Tribunal de Contas da União, Receita Federal e Controladoria Geral da União. Foram expedidos diversos mandados de prisão e de busca e apreensão, possibilitando a arrecadação de vasto material probatório. Atualmente, os réus estão em liberdade e responderão à ação penal soltos, se não surgirem fatos novos que justifiquem eventual prisão preventiva.
Segundo a denúncia, um dos principais investigados no momento em que o caso veio à tona celebrou acordo de colaboração premiada, “descortinando alguns fatos até então não esclarecidos”. O delator não integra a relação de denunciados na ação recebida nesta semana. Ela se refere à licitação vencida pela Vert para prestar serviço de monitoramento por drones no Porto de Santos, durante 12 meses, pelo valor de R$ 2,7 milhões.
Documentos inidôneos
Para se habilitar no certame, a Vert apresentou certificado de curso de piloto de drone em nome de Otoniel Pedro Alves, que à época era cabo da Polícia Militar paulista. O documento foi emitido pela própria PM, que não tem qualquer relação com a formação ou capacitação de pilotos de drones, ao contrário do Instituto de Tecnologia Aeronáutica Remotamente Controlada, que é registrado na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A empresa também tentou burlar a comprovação de sua capacidade técnica com uma declaração na qual a Eros Segurança Patrimonial afirma que a Vert lhe prestou esse tipo de monitoramento com drones em 2016. O curioso é que um dos signatários do documento, que assina na qualidade de diretor de operações da Eros, é justamente Otoniel, o piloto indicado pela empresa Vert.
Também chamaram a atenção duas notas fiscais da Eros, referentes a “serviços de monitoramento eletrônico por drones” prestados entre 10 de março e 31 de dezembro de 2016. Elas foram emitidas em um intervalo de apenas 25 minutos, em março de 2018. Segundo o procurador da República Thiago Nobre, a SPA autorizou a continuidade da licitação com base em “documentos absolutamente inidôneos”.
Análise técnica realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) identificou inúmeras irregularidades no certame, mas elas não evitaram a celebração de contrato entre a Codesp e a Vert, em 22 de maio de 2018, que causou prejuízos à Administração Pública. “A Vert, que ofereceu a melhor proposta no pregão eletrônico, não demonstrou capacidade técnica exigida pelo edital”, conclui o órgão de controle.
O documento da CGU também aponta que o advogado José Eduardo dos Santos, dono da Vert, teria emitido notas fiscais frias para desvio de recursos da cota parlamentar de um deputado federal, que não foi reeleito. “É possível que a contratação da Vert seja resultado de interesse escuso desse parlamentar ou de outro grupo criminoso na gestão da Codesp”, diz nota técnica. O MPF não denunciou o político.
Saiba quem são os réus
Os réus desta ação penal da Operação Tritão, ligados à extinta Codesp, são: José Alex Botelho Oliva (diretor-presidente), Gabriel Nogueira Eufrásio (superintendente jurídico), Carlos Henrique de Oliveira Poço (diretor de operações logísticas), Francisco José Adriano (diretor financeiro), Sérgio Pedro Gammaro Junior (superintendente de tecnologia de informação), Tawan Ranny Sanches Eusebio Ferreira (gerente de contratos e licitações), Cristiano Antonio Chehin (fiscal do contrato) e Álvaro Clemente de Souza Neto (gerente de fiscalização).
Também foram denunciadas três pessoas ligadas à Vert: José Eduardo dos Santos (proprietário), Otoniel Pedro Alves (diretor) e Oseas Pedro Alves (irmão de Otoniel, que respondia pela empresa em diversos contatos com a Codesp). Em sua acusação, o MPF requereu a fixação mínima do valor de R$ 2,7 milhões, que deverão ser corrigidos monetariamente, para a reparação dos danos causados pela infração.