Falsos empresários do futebol ‘vendem’ vagas no Santos por até R$ 150 mil
Por Eduardo Velozo Fuccia
O sonho vendido era uma vaga na categoria sub-20 do Santos Futebol Clube, com a perspectiva de treinar junto ao elenco profissional e se tornar mais uma revelação do clube que projetou o Rei Pelé, entre tantos outros meninos da Vila. O preço desse desejo: quantias entre R$ 100 mil e R$ 150 mil, que subiam quanto maior fosse o interesse dos atletas e seus pais. Porém, tudo não passava de uma trama orquestrada por falsos empresários.
Moradores em Santo André, na região do ABC, Marcus Vinicius Gabriel dos Santos e Wilson Dailton Bellissi Junior, ambos de 49 anos, foram autuados em flagrante por estelionato na última terça-feira (6), sob a acusação de terem lesado um goleiro, de 19 anos, e o pai do jovem. Após a prisão da dupla, apurou-se que ela também enganou um atacante, de 18 anos, e o pai do rapaz. A possibilidade de outras vítimas não está descartada.
No caso do goleiro, Marcus e Wilson se identificaram como “empresários do futebol”, disseram que possuíam “canais” dentro Santos, sem mencionar nomes, e ofereceram uma vaga no time sub-20 por R$ 150 mil. Porém, para facilitar, a dupla pediu apenas R$ 15 mil, em duas vezes, dizendo que ela própria pagaria o restante. Como forma de passar maior credibilidade, os acusados afirmaram que os custos com exames médicos deveriam ser arcados pelo atleta.
Após algumas reuniões, das quais participaram os acusados, um terceiro “empresário” identificado apenas por Mike, o goleiro e o seu pai, a proposta foi aceita. Por meio de Pix, o pai do atleta pagou R$ 7,5 mil, além de R$ 653,00 a título de exames médicos. Mike acompanhou o jovem até uma clínica de Santos, na última segunda-feira (5). Em seguida, eles foram ao encontro de Marcus, na loja oficial do clube instalada no Estádio Urbano Caldeira.
Nessa ocasião, Marcus disse que Wilson se dirigiu à “diretoria” para realizar o contrato. Depois, ele informou que o documento se encontrava na portaria 16 com uma camisa de treino do Santos. No lugar indicado, de fato, foram deixados um envelope com a documentação, para que fosse assinada pelo goleiro, e uma sacola com a peça do uniforme. Já em casa, na cidade de São Bernardo do Campo, no ABC, pai e filho começaram a ficar desconfiados.
A suspeita aumentou diante da insistência de Marcus em cobrar o pagamento da segunda parcela de R$ 7,5 mil. O goleiro e o pai retornaram ao clube na mesma data, onde exibiram o “contrato” e foram informados de que o documento era falso e tudo não passava de um golpe. A Polícia Civil iniciou as investigações, resultando na identificação e prisão em flagrante de Wilson e Marcus, na terça-feira (6). Os acusados permaneceram calados no interrogatório. Invocaram o direito constitucional de apenas falar em juízo.
Trânsito livre
Após a captura da dupla, outro caso foi esclarecido. Acompanhado dos pais, um atacante, de 18 anos, morador em São Paulo, se dirigiu à Vila Belmiro na tarde de terça-feira, porque seria a sua “apresentação oficial” à comissão técnica da equipe sub-20. No entanto, a recepção não foi a esperada, porque o jovem soube que havia sido ludibriado por falsos empresários. Ele e o pai compareceram ao 2º DP de Santos e não tiveram dúvidas em reconhecer Marcus e Wilson como quem os enganou.
O pai do atacante é advogado e contou que o filho possui vídeos de sua atividade como jogador no YouTube. No último dia 15 de maio, o rapaz recebeu mensagem de WhatsApp de uma linha telefônica pertencente a Marcus, que se apresentou como empresário do futebol. O acusado disse que assistiu as filmagens e demonstrou interesse em agenciar o atleta, alegando ter contatos no Santos.
Uma reunião foi marcada entre Marcus e o atacante em uma tradicional churrascaria santista. Também participaram do encontro, ocorrido em 23 de maio, o pai do atleta, Wilson e Mike. Os falsos empresários disseram que para garantir uma vaga na equipe sub-20 seria necessário pagar R$ 100 mil. A quantia seria repassada a representantes do clube, segundo eles, mas nomes ou cargos dos beneficiários não foram citados.
“Levado pela emoção” de ver o filho iniciar na carreira de jogador de futebol, conforme justificou, o advogado consumou o acordo, realizando três pagamentos por meio de Pix para os falsos empresários. As operações ocorreram em datas distintas, nos valores de R$ 10 mil, R$ 1 mil e R$ 15.387,89. Ainda conforme o pai do atacante, no dia 24 de maio, Marcus e Mike levaram o atleta até as dependências do Estádio Urbano Caldeira. A finalidade seria apresentá-lo no clube.
Durante o tour pela Vila, que também teve por objetivo assinar o “contrato”, os acusados tiveram acesso a salas privativas do clube, sendo o atleta presenteado por uma suposta funcionária do Santos com uma camisa do time. Com a descoberta de que fora vítima de estelionatários, o advogado externou a sua estranheza, pois, embora golpistas, eles tiveram livre trânsito pelo estádio e demonstraram conhecer colaboradores do local.
Permuta frustrada
Integrante do corpo jurídico do Santos há cerca de quatro anos, o advogado Felipe Abrantes Rossetto não manteve contato com os jogadores lesados. Porém, relatou no distrito policial que dois colegas seus conversaram com o pai do goleiro quando ele se dirigiu à Vila para tirar dúvidas sobre o contrato entregue ao filho e a eventual participação de funcionários do clube na cobrança de valores para garantir vaga na equipe sub-20.
De imediato, conforme afirmou Rossetto, os seus colegas refutaram qualquer tipo de negociação do clube envolvendo dinheiro para a reserva de vagas em suas equipes. Em seguida, ao examinarem o contrato apresentado pelo pai do atleta, no qual o nome do Santos aparece, os advogados constataram se tratar de documento falso, confeccionado a partir de um modelo disponível na plataforma da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Posteriormente, o próprio Rossetto visualizou a documentação e atestou a sua falsificação. Segundo ele, a formatação do contrato não condiz com os que são elaborados pelo Santos, além de não possuir código de barras e de ostentar número de inscrição da agremiação na CBF incorreto. O advogado também disse que um dos autuados pretendia criar um vínculo indireto com o clube, que foi frustrado com a sua prisão.
A mulher de um dos falsos empresários é representante de uma empresa que solicitou permuta com o Santos. Pelo acordo proposto, segundo Rossetto, essa pessoa jurídica forneceria água e suplementos em troca de ter a sua marca exposta pelo clube. Porém, antes que a parceria fosse firmada, o corpo jurídico descobriu a ligação da mulher com um dos acusados dos golpes. O que ainda permanece sob mistério é a identidade completa de Mike.
Fotos: Carlos Nogueira
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