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26/08/2017

Grupo é absolvido por 4 mortes em acidente com carro alegórico

Os advogados João Manoel Armôa Júnior e Eugênio Malavasi sustentaram que o episódio decorreu de uma fatalidade, sem que os seus clientes tivessem qualquer culpa, seja por imprudência ou negligência

Por Eduardo Velozo Fuccia

Previsibilidade objetiva e ausência dessa previsão são elementos necessários do crime culposo, sem os quais não há que se cogitar o cometimento do delito. Por falta desses componentes, a juíza Lívia Maria de Oliveira Costa, da 2ª Vara Criminal de Santos, absolveu cinco pessoas processadas por quatro homicídios culposos. As vítimas foram fulminadas por uma descarga elétrica de 13.800 volts, após o carro alegórico de uma escola de samba esbarrar na rede pública de alta tensão.

Ao acolher a tese dos advogados João Manoel Armôa Júnior e Eugênio Carlo Balliano Malavasi para inocentar os réus, sob o fundamento de que o fato apurado não se constitui em infração penal, a magistrada também analisou as eventuais presenças dos demais elementos do crime culposo, que são conduta voluntária (ação ou omissão), violação de dever objetivo de cuidado, resultado naturalístico involuntário, nexo de causalidade e tipicidade.

O episódio ficou conhecido como “tragédia do Carnaval”, ocorreu na madrugada de 12 de fevereiro de 2013 e envolveu o carro alegórico Rei Pelé, da escola de samba Sangue Jovem. Após o término do desfile na Passarela do Samba Dráusio da Cruz, a alegoria era empurrada pela Avenida Nossa Senhora de Fátima até a área de dispersão. Porém, devido a um desnível de 50 centímetros na lateral da pista, segundo laudo pericial, o veículo ficou desgovernado e correu até a calçada, esbarrando na rede de alta tensão.

O Ministério Público (MP) denunciou os cinco acusados, porque eles orientavam as pessoas incumbidas de conduzir o carro alegórico e teriam dado causa às mortes das vítimas ao agirem com culpa, nas modalidades negligência e imprudência. Ao final do processo, o MP requereu a procedência da ação e a consequente condenação dos réus, nos mesmos termos da denúncia, enquanto os advogados Armôa Júnior e Malavasi pleitearam a absolvição.

Armôa defendeu Luiz Cláudio de Freitas, à época dos fatos presidente da Sangue Jovem, além de Lucas Bernardo Fernandes Novaes, Adalberto Lima da Silva e Helena Ferreira Feitosa, diretores da Harmonia da escola de samba. Funcionário da Progresso e Desenvolvimento de Santos (Prodesan) há 34 anos, mas atuando na área de eventos da Secretaria Municipal de Cultura (Secult) há mais de 18, Cezar Augusto Teixeira Cantarino foi defendido por Malavasi.

“De forma idônea, concreta e inquestionável, a sentença reconheceu a improcedência da acusação, creditando o episódio a uma fatalidade da qual os réus não tiveram qualquer culpa, conforme conseguimos demonstrar durante a ação penal”, destacou Armôa. Malavasi também adotou a tese de que as mortes decorreram de uma tragédia, sem que o seu cliente e os demais acusados tivessem responsabilidade direta ou indireta por elas, ao contrário do que alegou o MP.

“A prova oral, produzida sob o crivo do contraditório, não foi capaz de demonstrar a conduta culposa por parte dos acusados a permitir um decreto condenatório”, fundamentou a juíza, que reconheceu falhas na organização do desfile carnavalesco. Segundo Lívia Costa, “o trágico acidente” resultou de uma sucessão de acontecimentos, não atribuíveis aos réus. “Claramente houve falhas na organização dos festejos, erros que ocorreram em tempo anterior aos desfiles, na análise da previsibilidade de riscos”.

Leandro Monteiro e Ludenildo da Silva Militão, ambos de 26 anos, conduziam o carro alegórico. Wictor Ferreira, de 29 anos, estava sob a alegoria desinstalando um gerador que alugou à escola de samba. Mirela Diniz Garcia, de 19 anos, sequer participava do evento, estando na frente de sua casa quando levou o choque letal. Segundo o MP, os réus orientavam Leandro e Ludenildo no deslocamento da alegoria e falharam culposamente nessa atribuição, por agirem com negligência e imprudência.

Porém, a juíza observou que se o Poder Público Municipal, responsável pelo evento e com o presumido dever de saber do desnível da avenida, “não anteviu a ocorrência do resultado, não se pode exigir de quaisquer dos réus previsibilidade do acidente”. Lívia Costa citou o relato de um bombeiro que depôs como testemunha. Ele não conseguiu afirmar se a avenida era perigosa, no que tange a riscos, para a passagem de carros alegóricos. “O que se dirá dos acusados, pessoas comuns?”, questionou a juíza.

A previsibilidade objetiva é a possibilidade de prever o resultado lesivo, inerente a qualquer ser humano normal. Sem ela, afasta-se a culpa, porque não é razoável exigir da pessoa “atenção extraordinária”, conforme salientou a magistrada, citando o jurista Guilherme de Souza Nucci. “Desta feita, em que pese muito se lamente o trágico acidente do Carnaval santista de 2013, as mortes das vítimas não podem ser imputadas aos acusados, razão pela qual a absolvição é medida de justiça”, concluiu.

 

 

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