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14/08/2021

Juiz dissolve conselho de sentença por suposta quebra de incomunicabilidade

Por Eduardo Velozo Fuccia

Sob o fundamento de suposta quebra de incomunicabilidade entre a defesa de um réu e os sete jurados que decidiriam se ele é culpado ou inocente, o juiz Paulo Fernando Deroma de Mello dissolveu o conselho de sentença e marcou nova data para o julgamento. Os advogados Guilherme Pereira de Oliveira e Thiers Andregotti afirmam que nada de irregular aconteceu, classificam a decisão do magistrado de “teratológica” (absurda) e preparam habeas corpus.

A sessão que foi aberta e não chegou ao fim ocorreu no Fórum de Mogi das Cruzes, na Região Metropolitana de São Paulo, no início da tarde do último 10. Problemas relacionados a transporte e escolta, a cargo da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), impediram que o réu R.C.F. fosse levado da Penitenciária de Andradina ao local do júri, apesar da prévia requisição judicial para a apresentação do acusado. Ele já está preso preventivamente há três anos.

“Visando evitar maiores prejuízos ao acusado, que tinha total interesse que o julgamento fosse efetivamente realizado naquela data para comprovar a sua inocência, a defesa abriu mão de sua presença física”, explicou o advogado Andregotti. “Deste modo, ficou definido que a participação do réu seria realizada por videoconferência, após o acusado ser consultado pelos seus defensores e dar o seu aval para ser interrogado e acompanhar a sessão remotamente da penitenciária”, emendou Oliveira.

Os advogados Guilherme Pereira de Oliveira e Thiers Andregotti negam que houve quebra da incomunicabilidade e preparam habeas corpus

Superado o impasse, foram sorteados os sete jurados para compor o conselho de sentença, entre os 21 presentes, dos 25 convocados. Sem a presença de público, os julgadores do povo selecionados foram acomodados no auditório por questões de segurança sanitária, devido à pandemia da covid-19. Neste momento, um terceiro advogado, assistente de Oliveira e Andregotti, passou a perguntar aos sorteados apenas os seus prenomes, anotando-os de próprio punho em uma folha de papel.

Conforme o termo de audiência, antes da primeira testemunha ser ouvida, uma oficial de justiça alertou o magistrado sobre o fato de um dos advogados conversar com os jurados. Questionada sobre o ocorrido, a defesa do réu explicou que apenas anotava os prenomes dos jurados com as suas respectivas localizações em plenário para se referir a eles sem equívoco durante os debates. Os advogados ressaltaram a ausência de qualquer artimanha para corromper a incomunicabilidade dos membros do conselho de sentença.

Para reforçar a sua boa-fé, os advogados requereram a juntada do manuscrito original das anotações ao termo de audiência. Eles salientaram se tratar de prerrogativa da defesa saber quem são os jurados, acrescentando não ter sido possível realizar a memorização fotográfica deles no momento do sorteio, quando eram chamados pelos nomes, porque naquela oportunidade havia 21. Em seguida, os que não foram sorteados saíram e os que permaneceram para a sessão se reacomodaram em novos lugares.

No entanto, a justificativa não foi aceita por Deroma de Mello. O juiz constou na ata que “solucionava questões técnicas relativas à conexão da Penitenciária de Andradina” quando recebeu o alerta da servidora do Judiciário. “Tal fato causou-me estranheza, uma vez que tanto a promotoria quanto a defesa possuem os nomes dos jurados sorteados e que faziam parte do conselho de sentença. […] Assim, vislumbrando quebra de incomunicabilidade dos jurados, decido pela dissolução do conselho de sentença”.

O magistrado marcou para 7 de dezembro a nova data do julgamento e desagradou os advogados. Segundo os defensores, “o cancelamento da sessão do plenário do júri sob tal justificativa mostrou-se um ato teratológico e que fere as prerrogativas da advocacia, já que não há hierarquia nem subordinação entre juízes, promotores e advogados, sem contar o prejuízo evidente ao acusado, que aguarda preso o seu julgamento derradeiro, e da sociedade, que aguardava ansiosamente para o desfecho deste caso”.

Oliveira e Andregotti irão impetrar habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para que o cliente seja solto. Segundo eles, a prorrogação do tempo da prisão cautelar por motivo que o réu não deu causa caracteriza constrangimento ilegal. R.F.C. responde por dupla tentativa de homicídio, contra a mulher e o filho (que à época tinha apenas quatro meses). A defesa nega, alegando que a denúncia do Ministério Público foi “afoita”. O acusado está preso desde a ocorrência do crime, em junho de 2018.

Limites do silêncio

Autor da obra Tribunal do júri – teoria e prática (7ª edição, 2021, Editora Mizuno), o promotor de justiça Walfredo Cunha Campos ressalvou que a proibição de comunicação dos jurados entre si e com terceiros diz respeito exclusivamente ao conteúdo do processo. O objetivo é assegurar que não haja influência externa no convencimento dos integrantes do conselho de sentença, que decidem por “íntima convicção”, que dispensa qualquer fundamentação.

“Se o juiz notar que o jurado teve algum contato com o defensor ou promotor, ou terceira pessoa, a respeito de tema relacionado ao processo, deverá dissolver o julgamento para evitar futura nulidade. No entanto, não se exige que o jurado permaneça mudo durante todo o julgamento. As partes poderão conversar com o jurado normalmente, desde que não seja a respeito do processo, e, nesta situação, não há razão para se dissolver o julgamento”, comentou Campos.

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