Juiz prende mulher por seis dias e chefe do MP o denuncia por abuso de autoridade
Por Eduardo Velozo Fuccia
O juiz mandou prender e o chefe do Ministério Público (MP) de São Paulo o denunciou por abuso de autoridade. O caso envolve um magistrado de Santos e tem como vítima uma mulher que ficou seis dias na cadeia. O crime a ela atribuído foi o de ser partícipe de homicídio, em razão de ser ex-companheira de um homem que matou outro, com quem ela se envolveu posteriormente. Para o procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Poggio Smanio, o juiz se amparou em “distorcidas conclusões”.
A denúncia tem oito laudas e está sob a análise do desembargador João Carlos Saletti para ser recebida ou rejeitada. De acordo com Smanio, o juiz Edmundo Lellis Filho, da Vara do Júri de Santos, cometeu abuso de autoridade ao decretar por iniciativa própria, sem justa causa e a ciência do MP, a prisão preventiva de Elyse Chiceri, de 33 anos, por considerá-la partícipe do assassinato. A mulher ficou seis dias na cadeia feminina anexa ao 2º DP de São Vicente, até que o próprio magistrado revogasse a custódia cautelar.
Elyse manteve relacionamento amoroso com Thiago Batista Barros, o Chupeta, com quem tem um filho. Após a relação, ela se envolveu com o músico Daniel Nunes Aquino, o Dan Nunes, o que deixou o ex-companheiro enciumado. Na madrugada de 30 de março de 2015, movido por esse sentimento, Chupeta matou Dan Nunes com um tiro disparado pelas costas, na frente de um bar onde a banda da vítima havia se apresentado, no Embaré, em Santos. Durante todo o processo, a mulher foi mera testemunha do crime.
Em razão do homicídio qualificado pelo motivo torpe e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, Chupeta foi submetido a júri popular e condenado, no dia 24 de outubro de 2016, a 18 anos de reclusão, em regime inicial fechado. As partes apelaram ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e a 14ª Câmara de Direito Criminal, por unanimidade, acolheu o recurso do MP para aumentar a pena do réu para 19 anos, sete meses e seis dias, no último dia 6 de julho.
De acordo com Gianpaolo Smanio, a decretação da prisão de Elyse representou “evidente abuso de poder” de Lellis, amparado em “distorcidas conclusões”. Em sua denúncia, o chefe do MP sustenta que o “denunciado empreendeu intensa e inadmissível ginástica de raciocínio, para acrescentar que ela (Elyse) teria agido com dolo eventual, pois, ciente de que Thiago era pessoa violenta, teria previsto o evento letal e assumido o risco de sua produção”.
A preventiva foi decretada um dia após o júri que condenou Chupeta. O procurador-geral de Justiça narra na denúncia que Lellis ficou inconformado com suposta afronta de Elyse, que faltou à sessão, embora intimada para depor. A testemunha foi acometida naquela data de distúrbio gastrointestinal, que exigiu atendimento médico-hospitalar. Mesmo assim, o magistrado, ainda conforme Smanio, instaurou “anômalo” procedimento investigatório, que rotulou de “inquérito policial”.
A partir dessa apuração por ele aberta e presidida, sem a intervenção do MP, a quem cabe a titularidade da ação penal pública incondicionada, como é o caso do homicídio, o juiz considerou que Elyse, ao provocar ciúme em Thiago, contribuiu para o crime executado pelo ex-companheiro. Smanio relata na denúncia que Lellis fundamentou a preventiva à necessidade de garantir a ordem pública, “abalada pela conduta da mulher, no tocante aos seus valores éticos e morais (família, fidelidade, liberdade e responsabilidade)”.
O VadeNews tentou obter a versão do titular da Vara do Júri de Santos e, para tanto, entrou em contato com a Comunicação Social do TJ-SP. “Em razão da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, os juízes são impedidos de se manifestar sobre casos que estejam em andamento”, respondeu o órgão. O desembargador João Carlos Saletti ainda não decidiu se recebe ou rejeita a denúncia. Na hipótese de recebimento, o procurador-geral já antecipou que irá propor a suspensão condicional do processo.
Essa proposta decorre do fato de o abuso de autoridade ter pena mínima inferior a um ano, sendo tal benefício previsto no Artigo 89 da Lei 9.099/95. Lellis não é obrigado a aceitá-la, mas em caso positivo, durante dois anos, ficará proibido de se ausentar da comarca onde reside, exceto para trabalhar, e obrigado a comparecer mensalmente em juízo para informar as suas atividades. Decorrido esse prazo, sem que sejam descumpridas as condições impostas, é extinta a punibilidade do acusado.
Na hipótese de descumprimento das condições da suspensão condicional do processo ou da recusa da proposta do MP, a ação penal segue o seu curso normal, até uma decisão final de mérito (absolvição ou condenação). De acordo com o chefe do MP, o conjunto de condições para a aceitação do benefício proposto “se mostra medida adequada, proporcional e suficiente para a prevenção da prática de novas infrações penais e para a reprovação daquela apurada”.