Juiz proíbe peça teatral e fomenta discussão sobre censura e liberdade de expressão
Por Eduardo Velozo Fuccia
Peça teatral que retrata uma versão contemporânea de Jesus Cristo como uma travesti “caracteriza-se ofensa a um sem número de pessoas”. Proibir a sua encenação não pode ser considerada violação à liberdade de expressão, pois esta garantia constitucional “não se confunde com agressão e falta de respeito”.
Com esse entendimento, o juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, da 1ª Vara Cível de Jundiaí (SP), concedeu liminar, em ação de obrigação ajuizada pela advogada Virgínia Bossonaro Rampin Paiva, para que o Serviço Social do Comércio (Sesc) daquela cidade não exibisse a peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, programada para o último dia 15 de setembro.
Virgínia argumentou que a peça teatral afronta a dignidade cristã ao expor Jesus Cristo como uma mulher transexual, ridicularizando a cruz e a religiosidade que ela representa. Considerando a “probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”, o magistrado concedeu a tutela antecipada (liminar) sem ouvir o Sesc.
Em sua decisão, de três laudas, Campos Junior proibiu o Sesc-Jundiaí de apresentar a peça na data inicialmente programada, “e também em nenhuma outra”, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 1 mil, sem prejuízo de os responsáveis pelo descumprimento da ordem responderem a processo pelo crime de desobediência.
O mérito da ação ainda será julgado, mas a liminar já causa polêmica. O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu foi exibido em outros municípios e a sua apresentação está programada para mais cidades. Inegável que a decisão judicial, embora não tivesse essa intenção, alavancou a expectativa pela peça nos teatros nos quais será encenada.
Sinopse do Sesc descreve o espetáculo “como mistura de monólogo e contação de histórias em um ritual que traz Jesus ao tempo presente, na pele de uma mulher transgênero. Histórias bíblicas conhecidas são recontadas em uma perspectiva contemporânea, propondo uma reflexão sobre a opressão e intolerância sofridas por transgêneros e minorias em geral”.
Campos Júnior reconheceu que censura prévia inexiste no ordenamento jurídico, conforme prevê a Constituição. No entanto, justificou que “não se pode admitir a exibição de uma peça com um baixíssimo nível intelectual que chega até mesmo a invadir a existência do senso comum, que deve sempre permear por toda a sociedade”.
Na mesma esteira de justificativas, o juiz observou que, embora o Brasil seja um estado laico (que não adota uma região como oficial), a crença religiosa pátria “tem Jesus Cristo como filho de Deus”. Desse modo, concluiu ele, “em se permitindo uma peça em que este Homem Sagrado seja encenado como um travesti, a toda evidência, caracteriza-se ofensa a um sem número de pessoas”.