Júri absolve por clemência acusado de planejar a morte do marido de sua amante
Por Eduardo Velozo Fuccia
Submetido pela segunda vez a júri popular sob a acusação de planejar e emprestar dinheiro para que terceira pessoa matasse a tiros o marido de sua suposta amante, um homem foi absolvido. Apesar de reconhecerem a materialidade e a autoria do homicídio, os jurados inocentaram o réu, acolhendo pedido de clemência da defesa, em razão dos quase seis anos que ele já estava preso preventivamente. Na hipótese de condenação, o acusado estaria sujeito a pena que varia de 12 a 30 anos de reclusão.
A decisão dos jurados está embasada no inciso III, do artigo 483, do Código de Processo Penal (CPP). É o chamado quesito genérico, no qual o Conselho de Sentença, após reconhecer a materialidade e a autoria do crime, deve ser indagado “se o acusado deve ser absolvido”. No caso dos autos, rogando pela misericórdia das sete pessoas sorteadas para decidir a causa, a defesa alegou que o tempo de prisão preventiva já equivaleu ao período de cumprimento de eventual pena em regime fechado.
A tese principal dos advogados Mauro Atui Neto e Glauber Bez, que destacaram falhas na investigação, foi a de negativa de autoria. Segundo eles, o executor dos tiros que mataram a vítima sequer foi apontado pelo MP, não sendo estabelecido com a certeza imprescindível para uma condenação o suposto liame entre esse desconhecido e quem o supostamente o contratou por R$ 5 mil, emprestando esse dinheiro à mulher da vítima. A viúva também nega envolvimento no homicídio e a sua condição de amante do réu.
O júri aconteceu no último dia 15, no Fórum de Votorantim (SP). Após a prolação da sentença, houve a revogação da preventiva do réu para que ele aguarde em liberdade o julgamento de eventual recurso de apelação do Ministério Público (MP). O crime ocorreu em 16 de novembro de 2012, sendo a denúncia oferecida em 12 de junho de 2018 junto com o pedido de prisão cautelar. A ordem de captura foi cumprida dois dias depois e, desde então, o acusado encontrava-se encarcerado.
Orientação indevida
No primeiro júri, realizado em 19 de setembro de 2021, o réu foi condenado por homicídio qualificado pelo motivo torpe, mediante paga, e pelo emprego de recurso que impediu a defesa da vítima, surpreendida enquanto pilotava a sua moto por uma estrada vicinal. A pena aplicada foi de 16 anos de reclusão e a defesa apelou, sustentando que a juíza presidente da sessão, a pretexto de explicar aos jurados os quesitos, foi além de uma simples orientação, influenciando na decisão do Conselho de Sentença.
Segundo a defesa, ao se referir ao quesito do artigo 483, inciso III, do CPP, a juíza disse: “Os senhores podem neste quesito absolver o acusado, por exemplo, por clemência ou misericórdia, no entanto, quero deixar consignado que, eventual reconhecimento da absolvição, pode acarretar a nulidade do julgamento por parte do Tribunal”. Por unanimidade, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento ao recurso e anulou o júri, determinando a realização de outro.
“Evidente o desacerto da opção da magistrada em alertar os jurados acerca de eventual anulação do julgamento, caso decidissem pela absolvição do réu, na forma como realizada. Com efeito, a observação feita pela juíza que presidiu o tribunal do júri extrapolou a mera explicação prevista no artigo 484, parágrafo único, do Código de Processo Penal, e compreendeu potencial para induzir, inadequadamente, a íntima convicção dos jurados”, concluiu o acórdão.
O colegiado fundamentou a sua decisão na violação do princípio da soberania dos veredictos, enfatizando que a observação feita pela juíza interferiu na decisão dos jurados. De acordo com o desembargador Marcelo Gordo, relator da apelação, embora o presidente do tribunal popular deva explanar ao Conselho de Sentença o significado de cada quesito, tal explicação não deve conter qualquer juízo de valor, muito menos meritório, sob pena de indevida influência e de acarretar a nulidade do júri.
Confissão mitigada
O MP trouxe a plenário no segundo júri um dado novo em desfavor do réu. Foi a confissão do acusado, por ocasião de sua submissão a exame criminológico no sistema prisional. Porém, os advogados colocaram em xeque o valor dela e, para isso, e citaram a minissérie Olhos que Condenam, exibida na Netflix. Baseada em fato real, que ficou conhecido como “Os cinco do Central Park”, a obra conta a história de cinco adolescentes que foram condenados por agredir e estuprar uma corredora no Central Park, em Nova Iorque.
Sem prova que os vinculasse ao ataque à mulher, os adolescentes foram sentenciados exclusivamente com base na confissão que fizeram à polícia. Porém, a defesa alegou que os acusados foram coagidos a admitir o crime. Mais de uma década depois, o grupo foi inocentado após um homem confessar que era o verdadeiro autor do delito. No caso de Votorantim, conforme Atui e Bez, não houve coação direta ao réu, mas ele assumiu o homicídio por receio de que a negativa o prejudicasse no laudo do exame criminológico.
“Com a condenação do réu no primeiro júri, foi gerada guia de execução provisória. Ele trabalhava desde que entrou na cadeia e estava preso há quase seis anos. Por isso, chegou a fazer o criminológico, no qual confessou o crime, mesmo sendo inocente, porque, se negasse, dificilmente progrediria de regime. Como na minissérie Olhos que Condenam, a confissão tem que ser analisada com cautela”, argumentou Atui, rebatendo a fala do promotor Charles Zanini Pizoni.
O representante do MP não fez uso da réplica, antecipando o término dos debates. Cinco testemunhas, sendo três protegidas, depuseram na sessão, que foi presidida pelo juiz Salomão Santos Campos e durou cerca de oito horas e meia. Também participaram da defesa nos trabalhos de plenário os advogados Larissa Romano Ferreira da Rocha e Arthur Augusto Valladares Lopes Souza. Compuseram o Conselho de Sentença quatro homens e três mulheres.
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