Júri inocenta 3 por homicídio e MP apela com base na Lei Mariana Ferrer
Por Eduardo Velozo Fuccia
A Lei Mariana Ferrer embasou recurso de apelação do Ministério Público (MP) contra decisão do Tribunal de Júri da Comarca de Ibiúna (SP) que absolveu, pela segunda vez, três homens do crime de homicídio qualificado. Essa legislação foi criada com a finalidade de coibir a prática de atos atentatórios ao decoro da vítima e de testemunhas, em especial nos crimes contra a dignidade sexual.
A vítima do homicídio é um homem acusado de abusar sexualmente e agredir com frequência a companheira, com a qual teve um filho. Entre os réus estão o pai e dois “irmãos de criação” dessa mulher. Eles atingiram o genro/cunhado com golpes de barra de ferro quando ele chegava sozinho e de madrugada no condomínio onde residia. Traumatismo cranioencefálico causou a morte. O crime ocorreu em fevereiro de 2016.
O promotor Fernando César Bolque participou do segundo júri. Logo após o anúncio do veredicto, ele manifestou ao juiz Acauã Müller Ferreira Tirapan, presidente da sessão, que apelará. O representante do MP apontou na interposição do recurso “nulidade oriunda da inobservância do artigo 474-A do Código de Processo Penal, desrespeitando-se a dignidade da vítima”.
A regra mencionada pelo promotor foi introduzida ao CPP pela Mariana Ferrer (Lei 14.245, de 22 de novembro de 2021). Diz o artigo 474-A que, “durante a instrução em plenário, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa”.
Ainda conforme o dispositivo, “cabe ao juiz presidente garantir o cumprimento do artigo”, sendo vedadas: “I – a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos; II – a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas”.
Segundo os advogados Mário André Badures Gomes Martins, Mauro Atui Neto e Danildes dos Santos Teixeira, a apelação ministerial não merece prosperar, porque “a alegada nulidade está desapegada do espírito pelo qual a Lei Mariana Ferrer foi criada: proteger vítimas em audiência e não ‘vítima’ morta e abusadora de mulheres”.
“Os jurados, pela segunda vez, absolveram aqueles que preservaram a sua família, acolhendo, entre várias teses apresentadas pela defesa, a da clemência como um efusivo e sonoro recado nesse leading case: inocentes não serão condenados quando agirem conforme a lei por conta de o Estado ter falhado em os proteger”, acrescentaram os advogados.
Quesitos
O promotor Bolque pediu em plenário a condenação dos réus pelo crime de homicídio qualificado pelo motivo torpe e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. A defesa sustentou que os acusados agiram em “legítima defesa”, mas abriram aos jurados um leque alternativo de opções, apresentando-lhes as teses de absolvição por estado de necessidade, erro de proibição ou, em última análise, clemência.
O Conselho de Sentença reconheceu a materialidade e a autoria do homicídio em relação a dois réus nos dois primeiros quesitos. Porém, no terceiro, relacionado à clemência, no qual é perguntado “se o acusado deve ser absolvido”, os jurados responderam “sim”, inocentando-o.
O chamado quesito da clemência é obrigatório e está previsto no artigo 483, III, do CPP. Em relação ao terceiro réu, ele foi absolvido logo de plano, porque o Conselho de Sentença respondeu negativamente ao segundo quesito, referente à autoria. O júri teve duração de dois dias, ocorrendo entre 9 e 10 de agosto.
Primeiro júri
Sob a presidência da juíza Mariane Cristina Maske de Faria Cabral, o primeiro júri do caso aconteceu em outubro de 2021 e também durou dois dias. Naquela oportunidade, o MP esteve representado no plenário pelo promotor Renan Mendes Rodrigues. Os quatro réus julgados foram absolvidos. O MP recorreu em relação a três, sob a justificativa de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária às provas.
A 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento, por unanimidade, à apelação e determinou a realização de novo júri. Com a nova absolvição, o MP não pôde apelar pela segunda vez sob a mesma fundamentação do primeiro recurso e alegou nulidade decorrente de suposta violação à Lei Mariana Ferrer. O colegiado ainda não designou data para o julgamento do mais recente apelo.
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