Justiça absolve três policiais militares acusados de tortura
Por Eduardo Velozo Fuccia
O crime de tortura exige finalidade específica, sem a qual não se caracteriza o delito. Por falta de comprovação desse fim e ainda da prática de suposto constrangimento mediante violência ou grave ameaça, capaz de impor sofrimento físico ou mental à vítima, conforme previsto no tipo penal, três policiais militares foram absolvidos em Santos.
Segundo denúncia do Ministério Público (MP), os policiais Leandro da Silva Maniakas, Michel Rodrigues da Silva e Danilo Augusto Marques, do 6º BPM/I, constrangeram o auxiliar de limpeza Ricardo Ferreira Gama, de 30 anos, mediante violência e grave ameaça, para obter informação sobre denúncia de tráfico de drogas que apuravam.
Esse tipo de conduta, conforme prevê a Lei 9.455/97, caracteriza o crime de tortura. Na hipótese de condenação, os policiais estariam sujeitos a pena variável de dois anos e quatro meses a dez anos e oito meses de reclusão, além da perda do cargo público. Porém, a Justiça não vislumbrou provas suficientes da prática do crime.
Ao absolver os réus, a juíza Carla Milhomens Lopes de Figueiredo Gonçalves De Bonis, da 3ª Vara Criminal de Santos, acolheu as alegações finais do advogado Alex Sandro Ochsendorf e do próprio MP, que reconheceu a fragilidade de sua acusação após ela ser submetida ao contraditório na ação penal. A Defensoria Pública se habilitou no processo para atuar como assistente da acusação e requereu a condenação dos policiais.
A abordagem aconteceu no início da tarde de 31 de julho de 2013, em frente ao campus da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) localizado na Rua Silva Jardim, no Macuco. Ricardo trabalhava na Unifesp e, segundo os PMs, por ser conhecido nos meios policiais por envolvimento com o tráfico, foi questionado se morava ali por perto. A denúncia checada era a do comércio de entorpecentes em uma casa com porão próxima à instituição de ensino.
Ainda de acordo com a versão dos policiais, o auxiliar de limpeza respondeu que não residia por perto, ficou “alterado” e se recusou a sair do local, motivando a detenção para averiguação. Os PMs disseram que Ricardo se autolesionou ao se debater.
Alunos da Unifesp usaram câmeras de celular para fotografar e filmar a abordagem, que se consumou com a colocação da vítima no compartimento de presos da viatura prefixo I-06301. As imagens mostram a vítima sangrando na boca.
“Os meus clientes sempre negaram a tortura ao auxiliar de limpeza ou qualquer outro ato de truculência. Porém, o mais importante é que até as testemunhas indicadas pelo Ministério Público afirmaram não terem visto os policiais militares agredindo a vítima, muito menos para extrair dela qualquer tipo de informação”, frisou Ochsendorf.
“Nenhuma das testemunhas soube explicar a origem do ferimento na boca da vítima, alegando que o ofendido já estava sangrando quando chegaram ao local. Logo, não presenciaram agressões físicas perpetradas por parte dos policiais militares contra a vítima e tampouco se recordavam do que poderia ter causado o ferimento”, sentenciou a juíza.
No entanto, não bastaria apenas a prova da agressão, acrescentou a magistrada em sua decisão. O crime de tortura também exige a demonstração de que o constrangimento físico foi imposto com a finalidade de obter confissão ou informação da vítima, mesmo que estas não tenham sido conseguidas pelos torturadores.
O episódio ganhou bastante repercussão porque Ricardo foi executado dois dias depois. Era madrugada de 2 de agosto, quando o auxiliar de limpeza levou oito tiros na frente de sua casa, na Rua Silva Jardim, em local muito próximo da universidade pública.
Os assassinos fugiram em duas motos, que não tiveram as placas anotadas. Estudantes da Unifesp ficaram revoltados com o homicídio e o relacionaram à detenção sofrida pela vítima na antevéspera. As investigações não evoluíram no sentido de esclarecer a autoria do homicídio e os policiais que haviam abordado Ricardo demonstraram que estavam em outros locais no momento do assassinato.