Justiça Federal autoriza índios a passarem por fazenda para terem acesso a cidade
Por Eduardo Velozo Fuccia
A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) deu provimento a recurso de apelação da Fundação Nacional do Índio (Funai) para autorizar índios de uma aldeia em Mongaguá, no Litoral Sul de São Paulo, a passarem por uma fazenda para ter acesso à cidade.
O acórdão é extensivo aos funcionários de instituições que prestam atendimento à comunidade indígena. Para que seja viabilizado o cumprimento da decisão de segunda instância, o TRF3 determinou o cadastramento prévio dos moradores da aldeia Guarani de Cerro Corá.
A aldeia está localizada dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, em uma densa área de Mata Atlântica. Até agora, os indígenas viviam quase que confinados, pois o proprietário da Fazenda Rondônia, por onde precisam passar para chegar à cidade, não permitia a entrada deles em sua propriedade.
Acolhendo parcialmente o pedido da Funai, a primeira instância decidiu que o dono da propriedade deveria “tolerar” a passagem de agentes da Funai ou de órgãos por ela expressamente autorizados, apenas quando fosse justificada a urgência relacionada à saúde dos índios da aldeia.
A fundamentação da sentença para permitir apenas o acesso restrito foi a de que houve “encravamento voluntário” quando os índios decidiram estabelecer a aldeia Guarani de Cerro Corá na área, em 2006. A Funai apelou, contando com parecer favorável do Ministério Público Federal (MPF).
Segundo o procurador regional da República Robério Nunes dos Anjos Filho, a Constituição reconhece o direito de os índios “viverem e buscarem seu bem-estar conforme seus próprios padrões de necessidades básicas e suas respectivas escalas de valores, tomando as decisões que entenderem melhor nesse sentido”.
A 2ª Turma do TRF3 considerou que o obstáculo ao acesso à educação e à saúde da comunidade indígena “é algo que não pode ser tolerado com a argumentação oposta do mero direito de propriedade. Não se está a discutir a posse ou o uso da propriedade alheia, mas sim o mero direito de passagem, de transposição”.
Para o colegiado, liberar a passagem pela propriedade rural é “requisito mínimo para a dignidade humana dos integrantes da aldeia indígena em questão, sob pena de se conceber uma comunidade fadada ao confinamento, com crescente deterioração social por força do abandono e isolamento forçado”.
Outra opção de sair da tribo é por via fluvial, mas o percurso de sete quilômetros pelos rios Bichoró e Aguapeú é instável e está sujeito à navegabilidade variável conforme as estações do ano. A viagem demora em média uma hora e meia e as dificuldades aumentam porque a aldeia possui apenas dois barcos, um deles sem motor.