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09/11/2021

Mercado é condenado por discriminar mulher trans pelo uso de banheiro feminino

Por Eduardo Velozo Fuccia

“A restrição do uso do toalete feminino à mulher transexual viola o direito ao respeito à identidade de gênero, manifestação da própria personalidade da pessoa humana e que não está vinculada ao sexo biológico de nascimento da pessoa, mas sim à identificação psíquica do ser humano”.

A conclusão, tomada de forma unânime, é da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O colegiado negou provimento ao recurso de apelação de um supermercado e manteve a sentença que o condenou a pagar indenização de cinco salários mínimos (R$ 5.500,00), por dano moral, a uma mulher transexual de 42 anos.

A autora da ação é uma controladora de acesso. Ela se dirigiu ao supermercado, situado na Zona Norte da Capital, no dia 8 de agosto de 2016. Após utilizar o banheiro feminino, foi abordada por um segurança do estabelecimento. Ele a questionou o porquê de não ter usado o sanitário masculino, uma vez que é “traveco”.

Sentindo-se constrangida e humilhada, a autora disse ao funcionário que, na condição de transexual, tem o direito de usar o banheiro feminino, pois se considera mulher. Ela quis entregar o cartão de uma entidade que trata de temas LGBT, da qual é coordenadora, mas o segurança recusou e mandou “enfiar no ânus”, conforme a petição inicial.

Segundo o advogado Pedro Henrique Jamil Ciquielo Zamur, a sua cliente obteve êxito em demanda judicial para retificação de seu registro civil, passando a usufruir do direito de ser chamada pelo nome feminino que escolheu. Tal fato chegou a ser informado ao segurança, mas ele prosseguiu em sua postura discriminatória.

“A autora deve ser tratada socialmente como se pertencesse ao gênero do qual se identifica e se apresenta publicamente, pelo que nenhuma restrição podia a ela ser imposta quanto ao uso do toalete feminino”, destacou a desembargadora Viviani Nicolau, relatora da apelação do supermercado. O recurso foi julgado no último dia 26 de outubro.

Os desembargadores João Pazine Neto e Carlos Alberto de Salles endossaram o voto da relatora, no sentido de reconhecer que “a identidade de gênero está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal) e basilar do nosso sistema jurídico”.

Relação de consumo

Zamur invocou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao pleitear a condenação por dano moral e destacou os artigos 14 e 34. O primeiro prevê a responsabilidade do fornecedor, independentemente de culpa, pelos danos causados ao destinatário do produto ou serviço.

O segundo artigo, por sua vez, estabelece que o “o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos”. O advogado pediu R$ 15 mil de indenização, por considerar tal quantia “razoável, proporcional, sólida e justa” com as finalidades “educativa e punitiva” da condenação.

O juiz Guilherme Silveira Teixeira, da 23ª Vara Cível de São Paulo, avaliou a verba pleiteada como “exagerada e desproporcional ao abalo concretamente verificado”. De acordo com ele, cinco salários mínimos condizem mais com os parâmetros judiciais de arbitramento, que englobam “o princípio da vedação do enriquecimento sem causa”.

Para o juiz, a conduta do segurança, “objetivamente imputável” ao mercado, viciou a prestação do serviço (artigo 20, caput e parágrafo 2º, do CDC), por ser “inadequação qualitativa incompatível com a legítima expectativa da requerente de ser respeitada em sua identidade de gênero, um dos mais primordiais direitos de personalidade”.

WC alternativo

O segurança negou ter destratado a autora e alegou que se dirigiu à porta do banheiro feminino após outra mulher reclamar da presença da controladora de acesso no local. O funcionário também disse ter oferecido um toalete alternativo à requerente para ela usar todas as vezes que fosse ao estabelecimento.

“Ainda que tomando a versão dos fatos da requerida como verídica”, conforme frisou, a relatora Viviani Nicolau rechaçou o argumento da cessão do banheiro alternativo. “Houve, em última análise e no mínimo, a restrição, ainda que implícita, de que a autora utilizasse toalete feminino nas dependências da ré por ser mulher transexual”.

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