Ninguém é condenado por importação de haxixe de Portugal pelo correio
Por Eduardo Velozo Fuccia
Quatro jovens denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) por oito delitos de tráfico internacional de drogas, porque teriam importado 1.633 gramas de haxixe de Portugal com a finalidade de revenda no Brasil, se livraram de qualquer punição. Na hipótese de condenação, eles estariam sujeitos a uma pena mínima de 46 anos e seis meses de reclusão, no regime inicial fechado.
A Justiça Federal absolveu três réus por insuficiência de prova, enquanto outro teve o crime desclassificado para o de porte de drogas para uso pessoal. Porém, este delito mais brando já prescreveu. Prolatada no último dia 18, a sentença é da 23ª Vara Federal de Curitiba. Como o MPF requereu em suas alegações finais a condenação do grupo nos termos da denúncia, ele deverá apelar ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
O juiz Paulo Sérgio Ribeiro, da 23ª Vara Federal de Curitiba, reconheceu que a autoria e a materialidade na conduta de importar a droga ficou comprovada. No entanto, não ficou clara a real intenção dos réus com a importação do 1,6 quilo de haxixe. “Não vislumbro prova segura, acima de dúvida razoável, para demonstrar o elemento subjetivo do tipo previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006 (que descreve o tráfico)”.
O envio do haxixe foi executado por meio do correio. O MPF identificou oito remessas de encomendas no dia 23 de julho de 2013, entre 13h09 e 14h38. O órgão de acusação apontou como responsáveis pelos despachos o brasileiro K.D.C. e a jovem G.M.D., sua namorada na época, da mesma nacionalidade. Uma postagem aconteceu em uma agência de Lisboa. As demais foram em Cascais, a 30 quilômetros da capital portuguesa.
Destinatários de parte das encomendas, os demais réus são os primos brasileiros R.M. e L.M., amigos de K., que moram em São Paulo. Embalado na forma de tabletes e cápsulas ovais, o haxixe foi escondido no meio de canecas de porcelana, capas de DVDs, cremes hidratantes e jogo de quebra-cabeças. A droga foi descoberta em fiscalização da Receita Federal no Centro de Tratamento de Cartas e Encomendas dos Correios, em Curitiba.
O MPF ainda denunciou um quinto jovem. Destinatário de quatro encomendas, ele teve a ação penal desmembrada em relação a si por residir e se encontrar atualmente na Austrália. Carta rogatória, via Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi encaminhada àquele país e o acusado aguarda o início da instrução (fase processual de produção de provas), informaram os advogados Marcelo José Cruz e Yuri Cruz.
Consumo pessoal
Os mesmos advogados defendem K. e G., que passavam férias em Portugal por ocasião da importação da droga. O rapaz assumiu o envio do haxixe para o Brasil, mas alegou que a droga se destinava ao próprio uso. Ele inocentou a ex-namorada, alegando que ela ignorava o conteúdo ilícito das encomendas. Disse que apenas lhe pediu para acompanhá-lo ao correio para auxiliá-lo no preenchimento de dados nos pacotes.
As encomendas já estavam lacradas, impossibilitando G. de conferir o que nelas havia de ilegal, conforme o seu ex-namorado. Este rapaz ainda afirmou que os destinatários dos pacotes não solicitaram o envio do haxixe, também isentando-os de qualquer responsabilidade em relação às drogas. Em juízo, K. justificou que era viciado e negou a intenção de comercializar o entorpecente no Brasil.
“Hoje em dia, eu não tenho mais esse vício. Mas na época da faculdade, eu fumava bastante. Gostava muito, era realmente viciado. E lá em Portugal, em Cascais, nessa viagem, eu tive essa infeliz ideia, conheci um cara lá, peguei alguma coisa para eu fumar. Tive essa infeliz ideia de remeter para o Brasil para o meu consumo”, detalhou K., em seu interrogatório perante a 23ª Vara Criminal de Curitiba.
A versão não convenceu o MPF, que pediu a condenação do grupo por oito crimes de tráfico internacional. Segundo o órgão, os réus “com consciência e vontade, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, importaram drogas sem autorização legal ou regulamentar”. Os advogados de K. e G. requereram para cada acusado, respectivamente, a desclassificação para o porte de drogas e a absolvição.
As defesas dos réus para os quais foram despachadas as encomendas com haxixe também pediram a absolvição. Em relação à namorada de K., o juiz federal a absolveu sob o fundamento de não existir prova suficiente para a condenação. “O órgão de acusação não apresentou provas que evidenciem a ação delitiva, dolo e a efetiva participação da ré na empreitada ilícita descrita na inicial”.
Paulo Sérgio Ribeiro utilizou a mesma justificativa para absolver os primos moradores em São Paulo. “Não há nos autos provas suficientes a evidenciar que os denunciados R. e L. tinham conhecimento das remessas postais efetuadas por K. contendo substância entorpecente”. Estes acusados negaram ter solicitado ou concordado em receber as encomendas com haxixe oriundas de Portugal.
Quantidade é relativa
Na análise da conduta de K., o juiz federal frisou que o MPF não cumpriu o seu ônus de comprovar a suposta intenção deste réu, narrada na denúncia, de importar o haxixe para fins de tráfico. “Os elementos colacionados nos autos não são suficientes para demonstrar, de forma segura, o dolo, a intenção de comercializar o entorpecente introduzido no Brasil”.
Ribeiro ressaltou que o fato de K. enviar 1,6 quilo de haxixe ao Brasil, por si só, não evidencia a sua intenção de comercializar a droga. Conforme o juiz, outros elementos evidenciam o desejo do réu na importação da substância ilícita para o próprio uso. “Entendo que a situação melhor se amolda na hipótese de consumo pessoal, considerando as condições em que se desenvolveu a ação”.
O MPF não denunciou outros destinatários das encomendas com haxixe. Um deles é a mãe de K., para quem foram enviados 335 gramas do tóxico. Segundo o juiz, tal fato “destoa totalmente das tentativas de ocultação verificadas a partir das regras da experiência no caso da prática de traficância”. Ao desclassificar o tráfico para o porte de drogas, Ribeiro reconheceu a prescrição deste delito, isentando K. de qualquer pena.