Papéis trocados? Defensoria acusa e TJ-SP acata pedido do MP para inocentar 3 PMs
Por Eduardo Velozo Fuccia
“Conjunto probatório inconsistente não permite a emissão de um édito condenatório, em atenção ao princípio constitucional do estado de inocência”. Com essa fundamentação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou por unanimidade decisão de primeiro grau que absolveu três policiais do 6º BPM/I (Santos) processados por tortura.
No último dia 28 de agosto, os desembargadores Luiz Antonio Cardoso (relator), Ruy Alberto Leme Cavalheiro e Toloza Neto, da 3ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, mantiveram a sentença da juíza Carla Milhomens Lopes de Figueiredo Gonçalves De Bonis, da 3ª Vara Criminal de Santos. Ela absolveu os réus em agosto de 2017.
O recurso de apelação foi interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que se habilitou na ação penal como assistente da acusação. Em primeiro grau, o promotor Carlos Eduardo Terçarolli requereu em suas alegações finais a absolvição dos PMs, sustentando a insuficiência de provas.
Ao se manifestar sobre a apelação, um procurador de Justiça (promotor que atua em segunda instância) manteve o entendimento de Terçarolli e opinou pelo não provimento do recurso da Defensoria Pública, que pretendia a condenação dos PMs Leandro da Silva Maniakas, Michel Rodrigues da Silva e Danilo Augusto Marques.
Entenda o caso
Os policiais foram denunciados porque supostamente constrangeram o auxiliar de limpeza Ricardo Ferreira Gama, de 30 anos, mediante violência e grave ameaça, para obter informação sobre denúncia de tráfico de drogas que apuravam. A abordagem aconteceu no início da tarde de 31 de julho de 2013.
Ricardo estava em frente ao campus da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) localizado na Rua Silva Jardim, no Macuco, em Santos. A vítima trabalhava na instituição e, segundo os PMs, por ser conhecida nos meios policiais por envolvimento com o tráfico, foi questionada se morava ali por perto.
Ainda de acordo com a versão dos policiais, o auxiliar de limpeza respondeu que não residia por perto, ficou “alterado” e se recusou a sair do local, motivando a detenção para averiguação. Os PMs disseram que Ricardo se “autolesionou” ao se debater no compartimento de presos da viatura prefixo I-06301.
Alunos da Unifesp usaram câmeras de celular para fotografar e filmar a abordagem, que se consumou com a colocação da vítima na viatura. As imagens mostram Ricardo sangrando na boca, mas testemunhas indicadas pelo Ministério Público afirmaram não terem visto os PMs agredindo-o.
Também ninguém afirmou ter visto os PMs tentando extrair qualquer tipo de informação do auxiliar de limpeza, executado dois dias depois. Era madrugada de 2 de agosto, quando o auxiliar de limpeza levou oito tiros na frente de sua casa, na Rua Silva Jardim, em local muito próximo da universidade pública. Até hoje, o homicídio não foi elucidado.
Estudantes da Unifesp ficaram revoltados com o homicídio e o relacionaram à detenção sofrida pela vítima na antevéspera. As investigações não evoluíram no sentido de esclarecer a autoria do homicídio e os policiais que haviam abordado Ricardo demonstraram que estavam em outros locais no momento do assassinato.
Elemento subjetivo
O crime de tortura exige finalidade específica, sem a qual não se caracteriza o delito. Por falta de comprovação desse fim e ainda da prática de suposto constrangimento mediante violência ou grave ameaça, capaz de impor sofrimento físico ou mental à vítima, conforme prevê a Lei 9.455/1997, os PMs foram inocentados.
“Nenhuma das testemunhas afirmou, a qualquer tempo, que a vítima fora constrangida a proferir confissão”, assinalou a juíza, cuja sentença o TJ-SP adotou para negar provimento à apelação. Na hipótese de condenação, os PMs estariam sujeitos a pena de dois anos e quatro meses a dez anos e oito meses de reclusão, além da perda do cargo.