Por falta de audiência, condenação de jovem por portar 0,2 g de maconha é anulada
Por Eduardo Velozo Fuccia
Os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade que orientam as ações no âmbito dos juizados especiais (artigo 2º da Lei 9.099/1995) não representam carta branca para a dispensa de garantias processuais, sem as quais o feito deve ser anulado.
Com essa fundamentação, o Colégio Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) anulou sentença que havia condenado a pena de advertência um jovem em Santos acusado de portar, para uso próprio, um cigarro de maconha parcialmente consumido pesando dois decigramas (0,2 g).
O colegiado tomou essa decisão, por unanimidade, ao apreciar a apelação interposta pelo advogado Tércio Neves Almeida, que requereu a absolvição do cliente por atipicidade da conduta. Porém, o mérito nem chegou a ser analisado, diante da nulidade apontada pelo juiz Flávio Fenoglio Guimarães, relator do recurso.
“De rigor o reconhecimento da nulidade do feito, restando prejudicada a análise meritória”, concluiu Guimarães. Segundo ele, “ancorada” nos princípios da economia e celeridade processuais, a juíza sentenciante dispensou a realização de audiência de instrução, debates e julgamento para julgar antecipadamente a causa e condenar o réu.
Porém, conforme o relator ressalvou, a solução adotada pela magistrada não foi recepcionada pelo Código de Processo Penal. “O procedimento sumaríssimo, aplicável aos juizados, não admite o julgamento antecipado da lide e, mesmo nos ritos ordinário e sumário, a hipótese só é admitida para fins de absolvição sumária (artigo 397 do CPP)”.
Guimarães anotou que, sem a realização da audiência de instrução, as testemunhas arroladas pelo advogado do réu na defesa preliminar não depuseram em juízo e sequer o réu foi interrogado. Segundo o relator, essa situação configura “evidente transgressão às garantias do devido processo legal e da ampla defesa, com evidente prejuízo ao apelante”.
Conforme o acórdão, declarada a nulidade absoluta da sentença condenatória, fica mantida apenas a decisão que recebeu a denúncia, devendo os autos retornarem à vara de origem para serem renovados os atos processuais posteriores. Também participaram do julgamento da apelação os juízes Jurandir de Abreu Júnior e Waldir Calciolari.
Sem contraditório
Na sentença que condenou o réu à pena mais branda (advertência) do crime descrito no artigo 28 da Lei 11.343/2006, acolhendo pedido do Ministério Público, a juíza Renata Sanchez Guidugli Gusmão, do Juizado Especial Criminal (Jecrim) de Santos, justificou a não realização de audiência de instrução.
“É dever do juizado especial trabalhar sobre o princípio da informalidade e celeridade, dando a casos simples e corriqueiros, especialmente em porte de entorpecente, onde não há pena corporal, tratamento o menos formal possível”, argumentou a magistrada, ao consignar a “validade da prova antecipada”, nos termos do artigo 155, caput, do CPP.
A prova antecipada à qual a julgadora se referiu foram os depoimentos dos dois investigadores que detiveram o jovem na rua com o cigarro de maconha, além da confissão do réu, no sentido de que o entorpecente se destinava ao seu próprio consumo, pois é usuário há cinco anos. Essas versões foram registradas na delegacia de polícia.
Em seu recurso de apelação, reiterando as suas alegações finais, Tércio Almeida sustentou que a conduta do cliente é atípica diante da “inconstitucionalidade” do artigo 28 da Lei de Drogas. No entanto, ainda que não seja esse o entendimento do Colégio Recursal, o advogado alegou a atipicidade com base no princípio da insignificância.
“Deve ter lugar a consciência de que a conduta prevista pelo artigo 28 não representa crime, uma vez que não há ofensa ao bem jurídico que supostamente visa a proteger, qual seja a saúde pública”, argumentou o defensor. Ele acrescentou que a ínfima quantidade de maconha apreendida, para uso próprio, não é apta a produzir resultado significativo.
Na sentença agora anulada, as teses defensivas foram rejeitadas. “O ato em questão viola a saúde pública na medida em que a maconha contém o princípio ativo de substância entorpecente de uso proibido. O Estado deve restringir esse uso, mesmo porque os danos à saúde do usuário serão custeados pelo próprio Estado, décadas à frente”, frisou a juíza.
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