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13/10/2017

A realidade feminina no cárcere: aliciamento antes, abandono depois

Mariana Ortega realizou trabalho de campo junto a detentas e verificou a prevalência das prisões por tráfico de drogas, em situações nas quais elas são, em sua maioria, aliciadas pelos companheiros

Por Mariana da Cunha Ortega (*)

A mídia recentemente abordou uma importante questão social brasileira: o envolvimento de mulheres com o mundo do crime. A personagem Bibi Perigosa, interpretada pela atriz Juliana Paes, na novela A Força do Querer, exibida pela Rede Globo, nos fornece uma visão da principal causa dos problemas desta natureza, qual seja, a influência do cônjuge na inserção de mulheres na marginalidade e os seus efeitos desastrosos na estrutura familiar, na qual o desamparo após o cárcere é quase uma unanimidade.

Conforme pesquisa feita pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, a população carcerária feminina cresceu 700% em 16 anos no Brasil. Em 2000, eram 5.001 mulheres cumprindo penas. Esse número saltou para 44.721 detentas no ano de 2016.

São diversos os problemas enfrentados por estas apenadas: gravidez mal assistida; dificuldades na realização de exames pré-natal; abandono pelos companheiros/cônjuges; dificuldade para criar os filhos recém-nascidos, seja para amamentação ou mesmo para uma simples convivência de mãe e filho em um ambiente minimamente humano, haja vista a falta de infraestrutura nos presídios de uma forma em geral.

No Estado de São Paulo, apesar de o sistema prisional ainda estar aquém do ideal, existem presídios femininos com ala destinada para a amamentação e também com espaço lúdico para que as crianças, quando em visita às suas genitoras, não sintam o abalo psicológico de um cárcere.

Como exemplos há a Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, e a Penitenciária Feminina de Tremembé, no Vale do Paraíba. Em breve, contando com estrutura similar, está prevista para ser inaugurada, em meados de 2018, a Penitenciária Feminina de São Vicente, na Baixada Santista.

Outros casos graves, quando as gestantes são portadoras de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e aids, esbarram nas dificuldades existentes para a realização do tratamento das patologias de forma adequada, tais como: dificuldade de locomoção para hospitais e clínicas especializadas, além da falta de estrutura médica nas casas de detenção e de acompanhamento pediátrico para os filhos.

Certa vez, pude presenciar uma situação dessa natureza, quando, durante uma visita/requisição de uma detenta, conheci uma reeducanda que estava gestante de um casal de gêmeos. Ambos nasceram infectados pelo vírus HIV.

Devido à forte comoção com este caso, e, em face do desamparo conjugal e situação dificultosa para contratar um defensor, o escritório em que eu realizava meu estágio na área criminal, decidiu que prestaríamos assistência pro bono (prestação advocatícia voluntária e gratuita) a esta detenta, que se encontrava completamente sem amparo e sem qualquer condição de arcar com uma defesa particular.

A grande maioria das mulheres no cárcere, assim como no caso acima exposto, se dá pela condenação no Artigo 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). Elas se envolvem com o tráfico de drogas sob a influência de seus companheiros, que, na maioria das vezes, usam as suas companheiras para o transporte de substâncias ilícitas.

De uma forma geral, percebe-se que esta cena se repete com frequência, na qual mulheres são inseridas no tráfico de drogas por apelo de seus companheiros. Estes, ilusoriamente, avaliam que atividades criminosas, quando praticadas por mulheres, representam menor risco de abordagens e flagrantes.

Contudo, apesar de aliciarem as suas mulheres no universo criminal, boa parte de seus companheiros tem a tendência de abandoná-las na hipótese de uma prisão, como pude observar com várias delas. Tais detentas enfrentam uma realidade solitária e precária, diante do corriqueiro afastamento daqueles que atuaram ativamente para inseri-las no mundo marginal, dificultando o processo de ressocialização delas e tornando ainda mais desumano o seu período de encarceramento.

 

(*) Estagiária em Direito inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Subseção Santos, atua no escritório Hypolitto Advocacia Criminal

CATEGORIA:
Artigo
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