Shopping e pet shop são condenados por fratura causada por cão em idosa
Por Eduardo Velozo Fuccia
Sob pena de ser responsabilizado civilmente, ainda que haja eventual homologação de acordo de não persecução penal (ANPP), um estabelecimento comercial pet friendly (amigo dos animais) tem a obrigação de garantir a segurança dos seus usuários para evitar eventuais incidentes causados pelos bichos.
Com esse entendimento, a 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou solidariamente o Miramar Shopping, em Santos, e um pet shop que nele funciona por danos material e moral a uma idosa de 84 anos. Ela fraturou o punho direito ao ser derrubada por um cão que estava sem coleira e saiu da loja.
“As apeladas deveriam garantir a segurança e a incolumidade física de seus consumidores, garantindo um ambiente organizado, fiscalizado e seguro a seus frequentadores, jamais permitindo que um cachorro fosse deixado solto no local, livre para causar danos (de forma voluntária ou não) às pessoas ali presentes”, destacou a desembargadora Anna Paula Dias da Costa, relatora da apelação interposta pela idosa.
Com a observação de que a filha da idosa acariciou o cachorro, que levantou as patas e derrubou a mãe dela, o juiz Rodrigo Garcia Martinez, da 12ª Vara Cível de Santos, julgou a ação improcedente. Segundo o magistrado, a interação com o animal afastou a responsabilidade do shopping e do pet shop, caracterizando “culpa exclusiva” da autora.
Martinez acrescentou que a dona do cão, contra quem não foi ajuizada a demanda cível, confessou a culpa pelo ocorrido em ação penal de lesão corporal culposa e celebrou acordo de não persecução penal (ANPP). A tutora admitiu que foi omissa ao deixar o cachorro no pet shop para se dirigir a uma cafeteria no próprio shopping.
Nos termos do ANPP, homologado pelo juízo da 4ª Vara Criminal de Santos, a dona do animal assumiu as seguintes obrigações: prestar serviços à comunidade por 20 dias, pagar um salário mínimo (R$ 1.320 à época do acordo) em favor do Fundo Municipal de Saúde de Santos e indenizar a vítima em R$ 10 mil, a título de reparação dos danos causados, em cinco parcelas mensais e iguais.
“Entendo que a autora, como vítima, já foi suficientemente reparada pelos danos que acabou suportando, não havendo motivos para estender a responsabilidade aos corréus (shopping e loja), os quais não deixaram de descumprir algum dever genérico de conduta para evitar o acidente”, concluiu o juiz Martinez.
Falha no serviço
A relatora Anna Paula anotou inicialmente que a relação jurídica em análise é de consumo, inexistindo qualquer dúvida quanto ao caráter objetivo da responsabilidade das apeladas, prestadoras de serviço, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
De acordo com o parágrafo 3º do artigo 14, essa responsabilidade somente pode ser eximida se o fornecedor/prestador do serviço comprovar que o defeito inexiste ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Porém, segundo a desembargadora, tais hipóteses não foram verificadas.
Imagens de câmeras de segurança mostram que o acidente ocorreu no corredor do shopping, em frente ao pet shop. Com base nas filmagens, a julgadora minimizou a conduta interativa da filha da autora, por ser uma “situação normal e corriqueira entre humanos e animais em geral”.
“O relevante, aqui, é que a causa do tombo ocorreu pelo pulo que o animal deu em cima da demandante, levando-a ao solo, de costas, que, repise-se, estava sem coleira e sozinho”, frisou a relatora. Segundo ela, o ônus do dever de vigilância do bicho competia a quem estava responsável pela sua posse, não podendo ser imputado à recorrente.
“Na medida em que o estabelecimento comercial, por liberalidade, franqueia a entrada de seus clientes com seus respectivos animais de estimação respondem pelos danos que os animais vierem causar a terceiros”, assinalou a Anna Paula, em relação à responsabilidade do shopping. A julgadora também considerou indubitável a culpa do pet shop, porque o cão estava sob a sua tutoria.
Sobre o ANPP, a desembargadora disse que ele não é apto a afastar os pedidos de danos moral e material. “As prestadoras de serviço aqui demandadas sequer foram acionadas na referida ação penal, logo, não podem ser beneficiadas pelo abatimento da prestação pecuniária penal no âmbito da indenização cível”.
Valores a pagar
O shopping e o pet shop foram condenados a ressarcirem a autora dos gastos com medicamentos e tratamentos a título de dano moral. Tais despesas foram contabilizadas em cerca de R$ 8 mil na inicial, mas o colegiado ressalvou que nada impede de outras integrarem o montante condenatório, desde que sejam comprovadas no curso da ação.
O pleito de dano estético foi negado sob a justificativa de que não houve agressão à esfera íntima a ponto de abalar a autoestima da idosa. Conforme o acórdão, a perícia não identificou na vítima cicatrizes profundas, sequelas visíveis e incômodas, deformidades ou problemas que causem mal-estar ou insatisfação duradoura com sua aparência.
O pedido de dano moral foi julgado procedente por ser in re ipsa, ou seja, presumido, sem depender de prova. Para a relatora, “é inegável o trauma sofrido pela idosa, bem como a dor e o sofrimento, de modo que a indenização é devida”. Ela considerou a quantia de R$ 20 mil sugerida na inicial como “adequada, proporcional e proporcional”.
Segundo a julgadora, esse valor é suficiente para, ao mesmo tempo, repreender os apelados, prevenir a repetição dos fatos e compensar a apelante pelo sofrimento experimentado, sem, contudo, gerar enriquecimento sem causa.
O shopping e o pet shop também deverão arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios, arbitrados em 15% sobre o valor total da condenação atualizado. Também participaram do julgamento do recurso os desembargadores Spencer Almeida Ferreira e Lavínio Donizetti Paschoalão, que acompanharam o voto da relatora.
O acidente aconteceu em 4 de junho de 2021. A dona do pet shop alegou ilegitimidade passiva por não ser a dona do cachorro e ainda argumentou que o animal não estava sob a sua responsabilidade. A defesa do Miramar atribuiu a culpa exclusiva à vítima, como causa excludente de sua responsabilidade civil.
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