Sócios de empresa de criptomoedas são condenados por lesar investidora médica
Por Eduardo Velozo Fuccia
Seis sócios de uma empresa de investimentos em criptomoedas, com centenas de vítimas em diversas cidades, foram condenados a ressarcir os prejuízos de uma médica e ainda indenizá-la a título de dano moral. O juiz Gustavo Antonio Pieroni Louzada, da 3ª Vara Cível de Santos, desconsiderou a personalidade jurídica da BWA Brasil Tecnologia Digital para que os réus respondam com os seus patrimônios individuais.
“Essa regra encontra exceções na legislação vigente, com destaque para o direito do consumidor e do meio ambiente, que admitem a desconsideração da personalidade jurídica pura e simplesmente quando ela representar obstáculo ao ressarcimento de danos causados, respectivamente, aos consumidores e ao meio ambiente”, fundamentou o magistrado. A sentença foi prolatada no último dia 14 de outubro.
Conforme os artigos 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), e 4º da Lei 9.605/1998 (Lei dos crimes ambientais), para a desconsideração da personalidade jurídica basta a inexistência de patrimônio suficiente para garantir o cumprimento das obrigações da pessoa jurídica, independentemente do seu uso abusivo. Louzada destacou na sentença que este entendimento é conhecido como “teoria menor”.
“Ao caso dos autos, que envolve relação de consumo, aplica-se a chamada teoria menor, sendo suficiente a verificação da inexistência de bens em nome da pessoa jurídica para garantir a satisfação da obrigação, o que está mais do que caracterizado diante da inconteste conduta de não pagamento dos valores aos consumidores”, frisou o juiz. Para ele, está “evidenciado que haverá obstáculo ao ressarcimento do prejuízo”.
A aplicação do CDC também foi justificada pelo juiz, “nos moldes de seus artigos 2° e 3°, caput e parágrafo 2°, na medida em que as rés prestam serviços de intermediação na compra e venda de criptomoeda, mediante remuneração, a destinatário final”.
Louzada ainda se valeu do CDC (artigo 51, inciso IV) para afastar cláusula que limita a responsabilidade da BWA a 10% do montante aplicado, na hipótese de condenação judicial. “Sua abusividade é ululante, uma vez que representa onerosidade excessiva, colocando o consumidor em nítida desvantagem, além de ferir a boa-fé contratual”.
Crédito no aplicativo
A médica celebrou contrato com a empresa para o investimento e intermediação de compra e venda de criptomoedas. Ela investiu R$ 130 mil e, inicialmente, recebia os rendimentos mensais. Porém, a partir de novembro de 2019, a empresa deixou de pagar os créditos sob a alegação de problema na plataforma digital. Na época, surgiram rumores de que outros investidores não conseguiam resgatar os valores aplicados.
A autora tentou resgatar o seu saldo integral, que era de R$136.871,72 em novembro de 2019, segundo informação do aplicativo da BWA. Sem sucesso, ela ajuizou a ação requerendo a resolução contratual, o pagamento do saldo decorrente do investimento com a devida correção monetária e indenização por danos morais. A BWA pediu a suspensão do processo por passar por recuperação judicial, mas o pleito foi indeferido.
Os sócios da BWA foram regularmente citados e não apresentaram contestação. O juiz presumiu verdadeiras as alegações contidas na petição inicial e julgou a ação procedente. Ele fixou a indenização por dano moral em R$ 10 mil por entender ser esta quantia suficiente para compensar os transtornos sofridos pela autora e satisfazer o caráter punitivo aos causadores do dano, inibindo futuras condutas semelhantes. Os réus também deverão arcar com as despesas processuais e os honorários dos advogados da médica, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.
Pirâmide
Investigada na esfera criminal por suspeita de promover pirâmide disfarçada de investimentos em criptomoedas, a BWA tem diversas ações cíveis ajuizadas contra si e ingressou com pedido de recuperação judicial. Porém, um advogado nomeado pelo juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo para administrar a empresa nesta fase já emitiu parecer pela conversão da recuperação judicial em falência.
Relatório elaborado pela própria empresa e apresentado no processo de recuperação judicial contabilizou 1.897 investidores que fariam jus a R$ 295.412.752,63. Um lesado relatou à polícia que a BWA contava com uma rede de “consultores”, geralmente do mesmo círculo social e/ou profissional dos potenciais clientes, para atraí-los a investir em criptomoedas. A promessa era de remuneração superior às de outras aplicações.
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