STJ aponta “pesca probatória” e tranca inquérito contra tubarão do tráfico
Por Eduardo Velozo Fuccia
Em decisão unânime, ao julgar recurso em habeas corpus (RHC), a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) apontou a ocorrência de “pesca probatória” e trancou inquérito policial contra André Oliveira Macedo, o André do Rap, considerado um tubarão do narcotráfico internacional e que está foragido. Com essa decisão, lancha, carro, jet skis e helicópteros, entre outros bens, foram liberados.
“É ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito”, destacou o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do RHC.
Os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Jesuíno Rissato, Sebastião Reis Júnior e Laurita Vaz seguiram o voto do relator. A decisão do colegiado ocorreu no último dia 11, mas só foi publicada nesta quarta-feira (19). Instaurado pela Polícia Civil paulista, o inquérito apura os crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e associação para o narcotráfico. Essa investigação teve início no dia 15 de setembro de 2019.
Nessa data, policiais localizaram e capturaram André do Rap em uma mansão alugada em Angra dos Reis, no litoral sul fluminense. Com dois helicópteros e uma lancha à sua disposição, ele vivia como se fosse um bem-sucedido empresário. A sua identidade era ignorada pelos vizinhos, que também desconheciam o fato de ele estar condenado a mais de 25 anos de reclusão.
Exercida pelos advogados Áureo Tupinambá de Oliveira Fausto Filho, Aury Celso Lima Lopes Junior e Anderson dos Santos Domingues, a defesa do procurado sustentou no RHC que, “embora seja autorizado aos policiais ‘invadirem’ o domicílio para prender alguém, é vedado a devassa na propriedade particular para apreender objetos alheios”.
Ainda conforme os defensores, “essa devassa com intuito probatório, em nítido desvio de finalidade da ordem de prisão, foi realizada pela polícia em típica hipótese de fishing expedition, o que não se pode admitir”.
Tudo nulo
“A apreensão de diversos objetos supostamente relacionados à prática de crimes, tais como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e associação para o narcotráfico, não decorreu de mero encontro fortuito enquanto se procurava pelo recorrente, mas sim de verdadeira pescaria probatória dentro da residência, totalmente desvinculada da finalidade de apenas capturá-lo para fins de cumprimento do mandado de prisão”, observou Schietti.
De acordo com o relator, “admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition)”.
Como não houve prévia autorização judicial para a realização de busca e apreensão na casa onde André do Rap se refugiava, “deve ser reconhecida a ilicitude das provas por tal meio obtidas e, por conseguinte, de todos os atos delas decorrentes”, acrescentou o ministro.
Schietti fundamentou a sua conclusão com o que dispõe o artigo 157 do Código de Processo Penal. A ilicitude das provas derivadas daquela originariamente considerada ilícita é chamada pela doutrina de teoria dos frutos da árvore envenenada.
Com o provimento do RHC, a fim de reconhecer a nulidade da busca e apreensão efetuada durante o cumprimento de mandado de prisão de André do Rap, em Angra dos Reis, foi determinado o trancamento do inquérito policial e a liberação de tudo o que foi apreendido.
Do rol de bens apreendidos elaborado pela Polícia Civil constam 32 celulares, cinco computadores, dois jet skis, dois helicópteros, uma lancha, um automóvel, o diário de bordo da aeronave e acessórios de informática (modem e DVR’s).
Condenações
Corréu em ações penais da Operação Oversea, da Polícia Federal, André do Rap foi condenado duas vezes pela 5ª Vara Federal de Santos. A pena de um dos processos é de 15 anos, seis meses e 20 dias de reclusão. Ela se refere à interceptação de 84 quilos de cocaína, em agosto de 2013. A droga seria despachada de navio de Santos para o porto espanhol de Valência.
Na outra ação, André do Rap foi vinculado a 145 quilos de cocaína, apreendidos em 17 de dezembro de 2013. O entorpecente seria levado de Santos ao Porto de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, Espanha. Após o julgamento de recurso de apelação, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região ajustou a pena do réu em 10 anos, dois meses e 15 dias.
A Operação Oversea desmantelou um dos maiores esquemas de remessa de cocaína do Brasil ao exterior, via Porto de Santos. Investigações da PF resultaram em apreensões que totalizaram 3,7 toneladas da droga, no País e fora dele, entre janeiro de 2013 e março de 2014. Também foi apurado o vínculo do Primeiro Comando da Capital (PCC) com a máfia italiana ’Ndrangheta, considerada uma das mais poderosas do mundo.
Após ser capturado em setembro de 2019, o réu foi solto na manhã de 10 de outubro de 2020, um sábado, graças a liminar em habeas corpus concedida pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Para o julgador, que está aposentado, havia excesso de prazo da prisão preventiva de André do Rap, uma vez que as suas condenações não eram definitivas, pois pendentes de recursos.
Horas depois, quando já havia anoitecido, o então presidente do STF, ministro Luiz Fux, cassou a liminar, acolhendo pedido da Procuradoria-Geral da República. Porém, André do Rap já estava bem distante da Penitenciária de Presidente Venceslau (SP), de onde saiu pela porta da frente. Até hoje ele não foi encontrado e especula-se que esteja fora do País.
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